quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Esquilinhos e avelãs no Cemitério de Old Brompton Road...

Os esquilinhos no Cemitério de Old Brompton Road...


Passeando de manhã por Roland Gardens, seguindo para Evelyn Gardens, ou contornando o pequeno quarteirão de Evelyn Gardens, indo até Crawley. Todos os caminhos dali vão dar à Fulham Road.
Ou, no sentido contrário, virando para trás, vai-se ter à Old Brompton Road, que é uma paralela, onde está o lindo edifício cor de rosa-salmão do Museu de Escultura...
Em redor são jardins, jardins, jardins... Jardins particulares, com chave, e só para os que moram ali, como o Evelyn Gardens, outros públicos com os seus banquinhos à bera das árvores.
A Roland Gardens é uma rua suave, de cores claras, muito mármore branco e tijolo vermelho, excepto o edifício Black Drake, o club-hotel, negro de cima abaixo, que contrasta vivamente com os outros prédios.Há trepadeiras lindas na Roland Gardens! Lembro uma, em especial, de glicínias, que, durante um mês inteiro, vi passar dos tons mais verdes e brilhantes, ao amarelo vivo, depois delido, enquanto as folhinhas começavam a cair. Quando me vim embora, na trepadeira de glicínias já não havia senão o tronco cinzento claro, à espera que, na Primavera próxima, voltem a brotar as florinhas lilazes e perfumadas. Pode-se passear sem destinopelas ruas de Londres, escolhendo sítios solitários, ou procurando as ruas iluminadas, brilhantes de luzes e de cores, os cafés fantásticos desde o Café Nero, aos vários Starbrucks, ao Paul...
Há um passeio completamente diferente... No final da Old Brompton que continua para fora, aos arredores da cidade, encontra-se o Cemitério de Old Brompton. Único no seu género. E com esquilos!

Os muros de pedras soltas, as árvores de copas altas, o portão largo de ferro pintado, cheio de desenhos e florões são os de um jardim Romântico.
E... o cemitério de Old Brompton é um jardim romântico. Diferente de todos em tudo, porque visitado pelas pessoas, pelas crianças,com bancos para se ficar a divagar sobre o sentido da vida e da morte... Com a cidade viva ao lado. Há longas áleas bem desenhadas, e relva por toda a parte. Os túmulos, as cruzes, os baixos-relevos são elegantes, alguns rostos esculpidos são delicados e os anjinhos, pensativos...
E mais ainda: n
o Cemitério de Old Brompton vivem famílias de esquilinhos! Que sobem e descem das árvores a velocidades incríveis, que páram, ou escutam, e correm para nós...
Convém irmos preparados, com saquinhos cheios de avelãs, de nozes e outros frutos secos. Disseram-me que não gostam de caju...
De repente, sem nos darmos conta, estamos rodeados de esquilos silenciosos que se aproximam sem medo, e nos olham curiosos e com uma certa expectativa, a ver se as mãos que estendemos estão cheia de frutos secos...
Sempre ouvi dizer que os esquilos comiam avelãs, mas estes, muito pequenos, tinham dificuldade em parti-las e corriam a escondê-las detrás de uma pedra, ou enterravam-nas na terra...
Seguravam com as patinhas dianteiras que parecem mãos pequeninas, quando tiravam os frutos secos das nossas próprias mãos.
Sem medo, e ao mesmo tempo indiferentes, tranquilos como se lhes fosse devido e o esperassem já de nós.
Os dentinhos vinham muitas vezes ajudar as patitas, e mordiam-me os dedos com força.
Mas mesmo essa dor, a sensação da mordidela -que até podia sangrar- era como se fosse um gesto amigo, tal a doçura que eles têm sempre.

Coisa estranha de se ver: no Old Brompton, convivem os esquilos com os corvos negros - e com as pombas brancas que esvoaçam e também vêm procurar ao pé dos humanos qualquer coisa para comerem...

Nunca me lembro de ter visto descer sobre mim uma revoada de corvos, como ali no Cemitério, com os esquilos ao meu lado. Ergui os olhos quase receosa: era uma sensação estranha, como se de repente qualquer coisa de escuro se deslocasse num céu azul. E assustava. Talvez me lembrasse do filme do Hitchkock...

Era uma nuvem negra e barulhenta que veio de longe e pousou numa árvore, de galhos já secos e abertos, como se ela já esperasse os corvos, tétrica, a meio dos túmulos e das pedras. Com os esquilos por ali, tínhamos esquecido que estávamos num cemitério... 

Agora, dezenas de corvos negros e brilhantes enchiam os ramos - como folhas negras.

Lembrei-me de um quadro de Isaac Levitan, o magnífico Levitan, que vi em Moscovo: a mesma árvore de ramos sem folhas e troncos brancos acinzentados e os pássaros –neste caso “les corneilles” que chamavam a Primavera.
Estranha coisa a natureza: os corvos vinham simplesmente comer a parte deles que, no fundo, com delicadeza, os esquilos lhes deixavam, deslocando-se um pouco mais para o fundo do jardim, e olhando para trás como se nos chamassem...
E lá íamos andando, nós e eles, com os sacos de plásticos quase vazios de nozes e avelãs, sempre atraídos pela beleza dos "suaves" esquilos.


Quando o jardim fechou o crepúsculo descia já sobre a cidade. Anoitece cedo por aquelas paragens.Era tempo de voltar para casa...
A pensar nos esquilos e nos corvos. Como teriam eles arranjado aquele 'mútuo acordo' para viverem bem naqule jardim já de si tão habitado por seres, adormecidos para sempre, ainda mais tranquilos...
Pensava, então, que só o bicho homem não é capaz de encontrar com facilidade estes "acordos"!

Voltávamos a Roland Gardens, ao anoitecer...

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