quarta-feira, 31 de março de 2010

A Adélia, de Alegrete Para Portalegre...

rua de Alegrete
Portalegre na bruma
Conheço a Adélia desde que me lembro. Era irmã da Florinda. A Florinda inesquecível que encheu a minha infância de histórias de fadas e de príncipes encantados e até do Burro Cor-de-rosa... A Florinda que veio trabalhar para casa dos meus pais, quando eu tinha uns seis anos e nos acompanhou pela vida fora. Berthe Morisot, infância

Veio de Alegrete para a cidade “servir”, como se dizia nesses tempos, com pouco mais de dezasseis anos. E a Adélia veio uns tempos depois, para casa de uma amiga da minha mãe que morava também na velha rua dos Canastreiros.

Conta-me hoje a Adélia, nas nossas conversas, enquanto tomamos um chá. O chá é sempre "Earl Grey", ela só gosta de "Earl Grey"! Um dia dei-lhe "Lady Grey" e ela disse logo:
- Deste, não gosto tanto. Tem um gosto a laranja...
Fiquei a olhar para ela, pois, por acaso tinha lido que tinha casca de laranja e não sei que outros mais "perfumes".
Ela, a passar a ferro, eu a ouvi-la e a dobrar a roupa, quando ela me deixa. Quando fala da vinda para a cidade, diz sempre:
- Foi o dia mais triste da minha vida!
Eu não disse nada, sabia dessa tristeza.
- Mas a minha mãe morreu, e o meu pai pôs-nos a “servir”. O que é que ele havia de fazer? Assim, a gente comia. Ficou a Isaura, que era a mais velha, a tomar conta dele.

Durante os anos em que o meu pai foi médico em Alegrete, a família delas, a família Solano, conhecera-o bem.
Dizia-me outras vezes, mudando de conversa:
-Os seus pais, em Alegrete, viviam lá para a Rua Nova, mesmo no fundo. A menina conhece?
- Não, nunca lá fui ver! Passo ao largo na estrada do Reguengo...
- Nem vale a pena..., acrescenta, céptica. Já lá não há ninguém.
Encolhia os ombros, enquanto continuava a passar a ferro, e, amarga, continuava:
- Só velhos!
Sem eu lhe dizer nada, retorquia:
- Sim, sim! Em Alegrete o que lá há são só velhos! Morreu toda a gente dos meus tempos... Até faz pena.

Todos os anos em Agosto ela volta para a festa da Senhora da Alegria. Custa-lhe ver a vila sem gente: os novos partiram para Portalegre, ou para muito mais longe.
o castelo de Alegrete, iluminado

“Muitos vivem nesta zona, por detrás da Alapraia, em S. Domingos de Rana”, diz-me ela.
- Os que ficaram por lá, são velhos...
Ouve mal e a conversa engenha-se (palavra que ela usa sempre para me contar dos aventais que faz de camisas velhas, ou da saia tirada de umas calças do filho : "gosto de engenhar estas coisinhas, para me entreter..."), mesmo sem a minha resposta.
Não é como se falasse sozinha, porque, em princípio, ela pensa que eu lhe respondo "isto" ou "aquilo", o que lhe convem para seguir sempre a linha do seu pensamento, falando do que a preocupa: a solidão, a tristeza de ver acabado um mundo e uma terra em que foi criança e cresceu.
- Solidão é doença... Não fui eu que inventei, não, menina (eu sou ainda “menina” para ela), foi o doutor lá do Centro de Saúde. Bom médico, mas muito rabugento. Comigo não, porque eu não o aturo, mas dá cada berro a mandar calar as velhas que estão na sala de espera “sempre a cacarejar”, diz ele...

Eu rio-me sozinha, sem ela ver, a imaginar a cena, e vou perguntando, fingindo que não percebi:
-Ai sim? A cacarejar?
- Sim, sim! Falam e não dizem nada. Velhas...

A Adélia é uma pessoa inteligente, capaz de entender as subtilezas, e argumentar até sobre política. A ideia de envelhecer sozinha entristece-a. Ser velho, para ela, é ser afastado, diminuído, metido em lares e fala da velhice quase com desprendimento, como se não quisesse fazer parte dessa gente.
- Tenho os meus filhos, mas sofro muito de solidão... Às vezes gostava de voltar para a minha terra.
árvore com corvos, no cemitério de Old Brompton Road

Hesitava e dizia:
- Estão todos velhos, o que vou para lá fazer? Ou, então, morreram...
Outras vezes lembra-se de personagens de Alegrete.
- A menina lembra-se da Valéria lá de Alegrete?
Lembrava-me, sim, de ouvir a Florinda contar-nos histórias cómicas sobre essa Valéria que sempre pensámos –eu e as minhas irmãs- que não existisse e fosse apenas mais uma história da Florinda, para nos entreter e fazer estar quietas.
Essa Valéria fazia muitos disparates, é só do que me lembrava.
- Não, não me lembro dela...
- Bem, a Valéria tinha uma casa que era um disfarce de uma casa! A cair de velha, lá para os lados da Caganita, no Castelo...

Naquela zona do Alentejo, usava-se muito a palavra “disfarce”, “disfarçudo”, no sentido de cómico e divertido, fora do vulgar...
A Adélia sorri, irónica:
- Era ela e a Bezerra. As duas parvas. Nunca ouviu falar da morte da Bezerra?
- Claro que ouvi, mas pensei que era invenção...
Ainda não tinha acabado e ela, sem me ouvir, continuava, a rir-se, fungando, como é seu costume:
- Lá em Alegrete diziam: “é mais velha que a Bezerra!” Falava-se da morte da Bezerra que vivia lá na vila e tinha morrido muito velha... E na sua terra também, em Portalegre, também se falava dela.

rua de Portalegre
E acrescentava, um pouco espantada:
- Nas telenovelas brasileiras também aparece a Bezerra. A menina não ouviu? E falam na Valéria...
Ficou a pensar e concluiu, duvidosa:
- Como é que podem conhecer a Bezerra, lá no Brasil?!
Voltava às vezes a recordar-se do meu pai.
- O seu paizinho e a sua mãe eram muito amigos da minha mana Maria. Era a minha cunhada... Também já morreu.
E continuava:
- Sim, Sim! Porque o seu pai era amigo dos pobres, não julgue lá...
E, com um ar suavizado:
- Andava por lá de burro, pelas serranias, o que é que julga? E dava remédios e nunca levava dinheiro aos pobres.
Eu ouvia-a comovida. lembrava-me de ter ouvido contar essas histórias.

-Não aceitava, dizia que eles precisavam mais do que ele. E a sua mãe fazia vestidos para as cachopinhas. Os pobres, coitados, ofereciam-lhe um franguinho, umas couves do quintal, uns ovos, flores para a senhora... Era o que tinham. Havia muita fome nesses tempos...

E acrescentava, com aquele desgosto que a obcecava:

- Por isso é que eu vim servir para Portalegre... Sim, sim, esse foi o dia mais triste da minha vida...

terça-feira, 30 de março de 2010

Um policial à escolha: "Os Olhos de Jade", de M.J.Falcão

CAPÍTULO 14
Joan, saíra da casa do jardineiro, apreensiva. Caminhava, apertando a gola do blusão de encontro ao pescoço esguio. Demorou-se no jardim, olhou as árvores e os canteiros de flores em redor da casa, o tronco retorcido e sem folhas da trepadeira de glicínias.
Estava uma manhã de sol fria e as folhas das árvores, lavadas pela chuva, brilhavam. Viu os troncos enormes cheios de vigor e as florzinhas delicadas das glicínias que rebentavam.

"Se alguém espreitara pela janela no dia anterior", ia pensando, "haveria sinais de pegadas debaixo da janela..."

Curvou-se e, apoiada nos joelhos, afastou as ervas rasteiras, procurando uma marca, mas o exame cuidadoso nada adiantou, a terra estava empapada das chuvas da noite e as ervas salpicadas dessa mesma terra molhada.


“Será possível que a minha imaginação me engane duas vezes? Estou a ficar transtornada?”


Costumava ser lógica, e não se deixava impressionar facilmente.
De repente, sofro de alucinações, tenho pressentimentos. Eu, com medo? Preciso de falar com alguém!", pensou.

Lembrou-se de ir ver de Gabriel.
"Estará acordado?"
Foi espreitar ao escritório.
A luz estava fechada e a secretária limpa, só o computador continuava ligado. Reparou num envelope comprido que tinha escrito por fora “não abrir”.
Tocou-o, e a curiosidade fê-la girar o envelope tentando perceber o que estava dentro.

Serão os tais papéis da mãe?”

Pelo formato viu que se tratava de uma diskette. "
Para que serviria?, pensou.
Deve estar a dormir, coitado. Se calhar não dormiu nada toda a noite.”
Na cozinha, começou a preparar o pequeno almoço. Um bom bocado da manhã passara e não tinha comido nada.
Encheu uma grande taça com leite, fez um café bem forte e foi sentar-se no sofá da sala com o tabuleiro ao colo.
Recostou-se, pôs os pés em cima do puff e suspirou. Sentia-se deprimida. De repente, tinha perdido o apetite. Limitou-se a tomar o café que, entretanto, arrefecera e fumou o primeiro cigarro do dia.
Desabafou para consigo mesma:
-Meu Deus, se ao menos o Michael chegasse depressa! Não consigo fazer nada...
Ouviu barulho, pousou o cigarro e foi a correr. Era Helen. Arrumara o carro, ao pé da árvore grande, como era seu costume.-Oh, Helen! Parece que adivinhaste como precisava de ti! Estava para aqui sozinha como um cão, a pensar na vida e a sentir-me a última desgraçada do mundo! O Gabriel está a dormir...

Helen riu alto.
-Eu adivinho sempre tudo, querida, já sabes, a tal telepatia... Eu e a Emily falámos e apeteceu-me vir dar uma olhadela, ver-te, falar com a Mary, com o vosso jardineiro. Enfim, vamos começar uma investigação a sério!
Joan encolheu os ombros.
-Tem de ser, tens razão... Preciso de raciocinar em voz alta com alguém que me perceba, que me ajude. Estava a pensar no Michael e apareceste tu!
Olhou para os embrulhos, e disse:
-Não era preciso trazeres comida, a Mary foi às compras...
-Nunca é demais, não te esqueças que vem aí o teu irmão. Ajuda-me a pôr os sacos na cozinha...
-Está bem... Mas vamos primeiro tomar um café a sério! Não te importas que seja na cozinha?
Mary chegou e Helen, enquanto a ajudava a arrumar as verduras no frigorífico, foi-lhe fazendo perguntas.
-Mary, ouça bem... Reparou nalguma coisa estranha, antes da morte da senhora? Um telefonema? Ou uma carta? Percebe o que eu quero dizer?
Mary olhava para ela, com um ar muito sério.
-Sim. Que me lembre, não... Cartas não houve, só os chocolates e as flores. A senhora adorava chocolates. Telefonemas, isso houve, mas...
-Chocolates?, interrompeu Helen. Mas quem é que lhe mandou os chocolates?
-Julguei que tinha sido a senhora, Mrs. Croft...ou a Miss Emily...

Helen replicou, irritada.
-Por amor de Deus, Mary, não me chame Mrs. Croft! Collins, só Collins, Mary! Helen Collins
-É verdade, esqueço-me sempre que o Mr. Croft...
-...Passou à história, é isso. Lembra-se em que dia foi?
-Sei muito bem, então não me lembro? Foi no dia a seguir ao jantar cá em casa. Toda a gente telefonou a agradecer, mandaram flores à senhora e essa caixinha de chocolates, pequenina.
Helen parou, sentou-se ao pé da mesa, tirou a boquilha da mala preta e acendeu um cigarro. Aspirou com força o fumo, antes de perguntar:
-E quem os trouxe? Como é que vieram?
-Bem, vieram normalmente. O carteiro é que os trouxe aqui a casa! Era um embrulho pequeno, assim... E Mary mostrava com as mãos o tamanho do embrulho.
-De onde é que vinha? Reparou na direcção?
-O carimbo era de Brighton, por isso é que julguei
que era das senhoras. Acho que foi o que Mrs. Green pensou . Vi que eram cinco chocolates...
-Que disparate! Eu não mandei chocolates nenhuns! Nem eu nem a Emily!
E num aparte, para Joan:
-Nem nunca mandaria só cinco...Telefonámos, claro, e mandei-lhe sete rosas vermelhas. Era um hábito nosso...
Virou-se para Joan:
-Quase um código:Red roses for a blue lady.” Conheces a canção?...
-Sim, tia Helen. De facto, por quê só cinco chocolates? Ninguém oferece uma caixa tão insignificante...
Joan ficara a pensar naquilo. Helen interrompeu-lhe os pensamentos e disse gravemente:
-Por quê? Porque cinco chocolates comem-se num instante e o efeito do veneno é concentrado! Toda a gente sabia que a Abigail não resistia aos chocolates!


Joan olhou-a, aterrada:
-Sim, a mãe adorava chocolates! E o Gabriel é alérgico, ainda ontem falámos nisso. Todos sabiam disso. Helen, tudo isso tem sentido... Eu bem dizia que a mãe foi envenenada!
-Tens razão,
disse Helen. É horrível!


Joan olhou para fora. O sol brilhava e as árvores e o jardim permaneciam indiferentes na sua beleza.
Ao fundo da azinhaga, via-se a estrada que ia para Arundel e Brighton.
"Se ao menos Michael chegasse depressa!"
Helen sentiu a sua angústia e abraçou Joan com ternura.
Tinham de ter muita força, pensou.

Nota: as fotografias são da minha autoria e vão de Hampstead a Portalegre e a Montalegre...

sábado, 27 de março de 2010

Joan Manuel Serrat canta Miguel Hernandez





"La nana dellas cebollas"

poema de Miguel Hernandez

La cebolla es escarcha
cerrada y pobre.
Escarcha de tus días
y de mis noches.
Hambre y cebolla,
hielo negro y escarcha
grande y redonda.

En la cuna del hambre
mi niño estaba.
Con sangre de cebolla
se amamantaba.
Pero tu sangre,
escarchada de azúcar
cebolla y hambre.

Una mujer morena
resuelta en luna
se derrama hilo a hilo
sobre la cuna.
Ríete niño,
que te traigo la luna
cuando es preciso.

Alondra de mi casa
ríete mucho,
que es la risa en tus ojos
la luz del mundo.
Ríete tanto,
que mi alma al oírte
bata el espacio.
..................................


ELEGÍA

(En Orihuela, su pueblo y el mío, se
me ha muerto como del rayo Ramón Sijé,
con quien tanto quería.)

Yo quiero ser llorando el hortelano
de la tierra que ocupas y estercolas,
compañero del alma, tan temprano.

Alimentando lluvias, caracolas
y órganos mi dolor sin instrumento.
a las desalentadas amapolas

daré tu corazón por alimento.
Tanto dolor se agrupa en mi costado,
que por doler me duele hasta el aliento.

Un manotazo duro, un golpe helado,
un hachazo invisible y homicida,
un empujón brutal te ha derribado.

No hay extensión más grande que mi herida,
lloro mi desventura y sus conjuntos
y siento más tu muerte que mi vida.

Ando sobre rastrojos de difuntos,
y sin calor de nadie y sin consuelo
voy de mi corazón a mis asuntos.

Temprano levantó la muerte el vuelo,
temprano madrugó la madrugada,
temprano estás rodando por el suelo.

No perdono a la muerte enamorada,
no perdono a la vida desatenta,
no perdono a la tierra ni a la nada.

En mis manos levanto una tormenta
de piedras, rayos y hachas estridentes
sedienta de catástrofes y hambrienta.

Quiero escarbar la tierra con los dientes,
quiero apartar la tierra parte a parte
a dentelladas secas y calientes.

Quiero minar la tierra hasta encontrarte
y besarte la noble calavera
y desamordazarte y regresarte.

Volverás a mi huerto y a mi higuera:
por los altos andamios de las flores
pajareará tu alma colmenera

de angelicales ceras y labores.
Volverás al arrullo de las rejas
de los enamorados labradores.

Alegrarás la sombra de mis cejas,
y tu sangre se irán a cada lado
disputando tu novia y las abejas.

Tu corazón, ya terciopelo ajado,
llama a un campo de almendras espumosas
mi avariciosa voz de enamorado.

A las aladas almas de las rosas
del almendro de nata te requiero,
que tenemos que hablar de muchas cosas,
compañero del alma, compañero.

Miguel Hernández

O poeta espanhol Miguel Hernandez "reabilitado"



Em 30 de Setembro deste ano comemora-se o centenário do nascimento de Miguel Hernández, grande poeta espanhol, que foi condenado à morte durante o franquismo e morreu na prisão.

Ontem, o Governo Espanhol declarou oficialmente a "reparação e o seu reconhecimento pessoal.
O nome de Miguel Hernadez foi limpo!
Cito, abaixo, a notícia de "El País" on line", sobre a cerimónia, na sexta-feira passada, na Universidade de Alicante.

"Foi um acto "breve e transcendente", nas palavras do poeta Marcos Ana, que compartilhou o cárcere com o poeta.
Quiseram estar presentes à significativa cerimónia en el que han querido estar presentes a vicepresidenta do Governo, María Teresa Fernández de la Vega e os ministros da Justiça e da Cultura".

(Miguel Hernández nasceu em 1810 em Orihuela e morreu em 28 de Março de 1942, na cadeia)
Deixo uns "links" para terem acesso a mais algumas notícias e fotografias que a família cedeu nesta ocasião ao jornal "El País"

Miguel Hernández: La vida breve de una leyenda

E a notícia de "El País" continua:

"Mas é só o primeiro passo. Lucía Izquierdo, nora do poeta e herdeira legal, aproveitando a presença do ministro, Francisco Caamaño, recordou que a família pretende conseguir "que se anule a injusta condenação à morte que está vigente, e pesa como uma lousa".
Tem esperança que esta anulação, que terá de ser validada pel0 Tribunal Supremo, se realize antes que se conclua o ano do centenário.
Logo em seguida, De la Vega entregou a "Declaración de Reparación y Reconocimiento Personal" aos familiares do poeta Miguel Hernández, em virtude da "Ley de Memoria Histórica".
A nora e a neta do poeta emocionaram-se com a ovação e com este reconheciminto que chega dois dias antes do aniversário da sua morte na prisão, em 28 de Março de 1942.
A declaração do Governo destaca que Miguel Hernández, poeta da geração de 1936, "foi um defensor da liberade dos valores democráticos em momentos dolorosos da nossa historia". Neste contexto, o poeta padeceu perseguição e privação da libertade por razões políticas e ideológicas.

De facto, "ingressou injustamente na prisão em 4 de Maio de 1939 e foi condenado à morte em virtude de uma sentença ditada, sem as devidas garantias pelo ilegítimo Consejo de Guerra". Esta pena foi depois comutada em reclusão perpétua. Não obstante, o poeta faleceu pela precária saúde derivada das desumanas condições da cela em que se encontrava recluso."


A Vice-Presidenta pôs em relevo a figura de Miguel Hernández referindo-se-lhe como:
"un genio artístico que supo levantarse contra generaciones de prejuicios, que siempre entendió que la propia libertad se construye desde el compromiso y que amó como pocos a su tierra y a los que habitan en ella".
E acrescenta:
(...) referiu, ainda, a necessidade de reconhecer e reabilitar a memória de Miguel Hernandez, dizendo: ainda que "haja quem diga, muito friamente, que não é algo necessário", esta norma "fez-se mais necessária, era mais urgente, porque demasiada gente, durante demasiado tempo viu relegada, quando não esquecida, a sua memória".


Como muita gente, eu sei, hoje sinto-me profundamente solidária com esta atitude do Governo Espanhol e pelo reconhecimento da memória de um grande poeta!
Conheci a sua poesia, lembro-me que muitas delas foram através das canções de Joan Manoel Serrat, como a belíssima "Elegia".
Fico contente por ele, pela Literatura e Cultura deste mundo, e pela Espanha!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Dashiell Hammett e o herói Continental Op : romance "Red Harvest" (Colheita Sangrenta)

(Para a Lurdes S., apreciadora de literatura anglo-americana, leitora atenta de livros policiais e outros... a quem prometi voltar a Dashiell Hammett)

Prometi voltar a falar de Dashiell Hammett, escritor policial que muito aprecio.
Já aqui falei dele (1) e da qualidade dos seus livros, do seu estilo seco e directo, da "verdade" das suas personagens.

Refiro mais alguns dados biográficos, que ulteriormente recolhi, para "completar" o que já disse das outras vezes... (em baixo, refiro um site muito completo (2) sobre o escritor)

Samuel Dashiell Hammett nasce em 1894 em Maryland. Depois dos estudos secundários, muito jovem, arranja alguns empregos pouco prestigiosos, para ajudar a família que era pobre.

Em 1915, entra como detective na famosa Agência de Investigação Pinkerton.
Em 1922, decide deixar de ser detective... para escrever sobre detectives.
Essa data coincide, é certo, com a primeira crise séria de tuberculose, que torna a sua saúde frágil de mais para a profissão dura que desempenhava.


É entre 1922 e 1931 que escreve a maior parte das suas short-stories e os cinco romances policiais.


Uma curta carreira de escritor, nove anos. Em 1934, publica The Thin Man e...mais nada. Acabou-se.


Decidiu abandonar o género policial para se dedicar a escrever longos romances como os de Hemingway ou de Scott Fitzgerald.


Não tinha que ser assim...


Os livros são muito bem recebidos pelo público. De facto, Hammett tem um estilo directo e -sobretudo- traz para o que escreve o conhecimento pessoal dos assuntos de que fala, a experiência própria, fala do mundo de certas pessoas que conheceu bem e serão as suas personagens “verdadeiras”, verídicas porque “existiram”, eram reais.
Dashiell Hammett, na verdade, fala do que sabe, e é fiel nas descrições de lugares ou ruas. Se assinala um prédio ou um apartamento, numa rua de San Francisco, ou um drugstore, é muito natural que ele existisse e até pode lá estar ainda hoje...
Não se percebe esse longo silêncio. Era famoso, os leitores amavam-no. Mas a verdade é que nos 27 anos que lhe restam de vida pouco mais vai escrever.

Faz folhetins para a radio, dos quais não se preocupou em guardar "rascunho"... Escreve mais algumas short stories todas com nível.

De facto, D.H. -que foi praticamente um dos criadores do género “hard-boiled”- contribui para “elevar” esse tipo de policiais, a pulp-fiction, publicada em revistinhas de aventuras, baratas.
Algumas dessas short stories mostram uma personagem, o narrador ou protagonista, homem de meia idade, forte, manhoso, que leva até ao fim os seus inquéritos “doa a quem doer” e vai ser o protagonista de dois romances.
É o agente (Operativo) da Continental Detective Agency, conhecido apenas por Continental Op, ou mesmo só Op.
Os romances em que aparece são The Dain Curse (Estranha Maldição) e Red Harvest (Colheita Sangrenta), romance do qual gostaria de falar hoje.


Mas, antes, não quero deixar de recordar outra personagem que também aparece nos contos e num só romance, Sam Spade, talvez a personagem mais bem conseguida do autor.

Houve quem dissesse que Hammett consegui criar uma personagem numa réplica de só três linhas. Suponho que se referiam a Sam Spade. O início do "Falcão" dá-nos de súbito uma pessoa viva, de carne e osso!

Sam Spade é o detective do famoso “The Maltese Falcon”, que, ao contrário por exemplo do detective de Chandler -Philip Marlowe- que é o herói da maioria das suas novelas, entra num único romance. Sam era o nome por que o chamavam em miúdo e a figura terá alguma coisa de autobiográfico, se bem que Hammett nunca tenha querido "mostrar-se", "abrir-se": dizia Lilian Hellman - a segunda mulher da sua vida. que ele era das pessoas mais "secretas" que conhecera e pouco tinha conseguido saber da vida passada dele.

Em 1930, é contratado como cenarista para trabalhar em Holywood, onde vai encontrar a escritora Lilian Hellman, que se tornará célebre sobretudo no teatro.
Nos anos 50, aproxima-se de movimentos da esquerda, e é considerado “compagnon de route” do Partido Comunista americano, o que vai atrair sobre ele a atenção do "House Un-American Activities Committee". É chamado a testemunhar e a revelar os nomes de pessoas conhecidas (acusadas de anti-americanismo), e recusa. Pagará essa sua acção com 5 meses de prisão.

Estamos no momento da perseguição (“peste política”) desencadeada por Joseph McCarthy. Os seus livros são postos numa “lista negra” e retirados do mercado.

É talvez um dos raros escritores de romances policiais americanos reconhecido ainda hoje pela “intelligentzia” nacional.
A sua recusa da psicologia didáctica e explicativa, o seu laconismo descritivo, o gosto pela “visualização” fizeram com que muitos o comparassem a Hemingway.
Minado pelo álcool e pela doença morre, sem um tostão, amparado por Lilian, em Nova Iorque, em 1961.

Homem de contradições “foi simultaneamente celebridade e recluso, um escritor famoso que deixou de escrever quando o era, um marxista que duas vezes, nas duas Guerras, arrisca a vida pela América, um homem saudável sempre derreado e destruído, um homem que escolhe ir para a prisão em vez de delatar nomes, revelar informações que ele achava eram só dele...”

(Alguns dados são retirados do Prefácio da edição francesa de "Moisson Rouge" tradução de "Fly Paper", colecção folio, 1968: outros pura e simplesmente da wikipédia. Sobre a biografia e pormenores sobre publicações, etc, do site que abaixo indico.)

Mais pormenores:
* "O romance Red Harvest encontra-se na lista dos 100 Melhores Romances de 2005, assinalada pelo TIME publicados em língua English entre 1923 e 2005. Entre nomes como Virginia Woolf, Graham Greene, etc.
A lista foi compilada pelos críticos do Time, Lev Grossman e Richard Lacayo."

*André Gide dizia de Hammett: "Os seus diálogos podiam bater-se com os de Faulkner ou Hemingway”
*Site importante sobre este autor:


A "Colheita Sangrenta" existe em tradução portuguesa em edição recente, na editora "O Quinto Selo" (2008), da colecção "Os Falcões", assim como "O Falcão de Malta" e "A Chave de Cristal" (2009), escolhas que muito valorizam a editora... Breve resumo de "Colheita Sangrenta":
O "Agência Continental" é contactada por Donald Willsson para resolver um problema em Personville, cidade conhecida por "Poisonville" –jogo de palavras intraduzível: "person: pessoa/poison: veneno"- pelos seus habitantes.
Mas antes de o agente Op chegar, Willsson é assassinado.

O romance começa assim:

"A primeira vez que ouvi falar de Personville chamada Poisonville, foi por um ruivo pretenciosos chamado Hickey Dewey numa grande sala do Big Ship, em Butte. Mas como ele confundia os "r" com os "i" não reparei no modo como deturpou o nome. Mais tarde haveria de ouvir homens capazes de misturar r e i fazem a mesma deformação. Julguei primeiro que era uma espécie de humor fácil ligado ao mundo da delinquência. A minha visita a Personville demonstrou logo o erro.
Fechei-me numa das cabines telefónicas da estação, liguei para o "Herald" e chamei Donald Willsson para lhe anunciar a minha chegada.
-Quer vir a minha casa às dez esta noite?, disse ele numa voz bem timbrada. Mountain Boulevard, 2010. Apanhe o eléctrico para a Brodway e desça na Laurel Avenue, fica a duas ruas dali."

Quando chega à direcção indicada, Donald não está. A mulher, evasiva, diz que vai voltar em breve, mas Donald não volta a aparecer vivo.

O agente Op, da "Continental Detective Agency" de San Francisco, nunca indica o nome e só é conhecido pela descrição do trabalho que faz.

Desta vez é contratado para trabalhar sobre um problema mas, como vimos, a pessoa que o contratou é assassinada antes de o ver.

O assassínio de Donald leva-o a falar com o pai de Willsson, Elihu, um industrial da terra que vê a sua influência ser ameaçada por vários “gangs” que ele próprio chamara à cidade para lhe resolverem os problemas laborais ligados com os empregados, greves e sindicatos, etc.
Op consegue arrancar uma “promessa” -e uma carta assinada por ele- em como pagará uma certa quantia pela “limpeza” da cidade...

Mas depois de resolvido o assassínio do filho, Elihu recusa o contrato que assinara.
Durante a investigação, Op encontrara Dinah Brand, tipo da mulher fatal, possível amor de Donald Willsson e igualmente possível "moll" (companheira/associada?) do gangster Max "Whisper" Thaler.

Há ainda o polícia corrupto, Noonan, a quem o agente OP consegue arrancar informações, e espalhá-las de modo a provocar uma guerra entre as diversas facções do gang.
O que acontece depois?
Na manhã seguinte, ao acordar, vê Dinah... Não, não vou contar!

Terá o Op sido "comprado", sido "vítima", também ele, da acção corruptora do "gang"?
Op continua a investigação, incansável.
A meada começa vai-se desenrolando. ao longo do romance...

Corrupção, infâmia, morte.

Ler o livro para saber mais!

(1) sobre Dashiell Hammett escrevi alguns "posts". Em 1 de Abril de 2009: "O Falcão de Malta e outras coisas e "Continuando..."; em 5 de Abril "Ainda Dashiell Hammett"

(2) ver o site:



Lista das "Colecções de Contos" -ou Publicações em revistas, Magazines -(lembram-se do Magazine policial "Elllery Queen"?)- e dos Romances de Dashiell Hammett, nas várias reedições:


Novels:
1) Red Harvest, 1929 (novel)

2) The Dain Curse, 1929 (novel)

3) The Maltese Falcon, 1930 (novel)

4) The Glass Key, 1931 (novel)

5) The Thin Man, 1934 (novel)

6) Blood Money, 1943 (novel written in 1927 -poderia estar na base de "Colheita Sangrenta")


Short stories:

7) The Adventures of Sam Spade, edited by Ellery Queen, 1944 (stories)

8) The Continental Op, edited by Ellery Queen, 1945 (stories)

9) The Return of the Continental Op, edited by Ellery Queen, 1945 (stories)

10) Hammett Homicides, edited by Ellery Queen, 1946 (stories)

11) Dead Yellow Women, edited by Ellery Queen, 1947 (stories)

12) Nightmare Town, edited by Ellery Queen, 1948 (stories)

13) The Creeping Siamese, edited by Ellery Queen, 1950 (stories)

14) Woman in the Dark, edited by Ellery Queen, 1951, (novella and stories)

15) A Man Named Thin, edited by Ellery Queen, 1962 (stories)

16) The Big Knockover, edited by Lillian Hellman, 1966 (stories)

17) The Continental Op, edited by Steven Marcus, 1974 (stories)

18) Woman in the Dark, introduced by Robert B. Parker, 1988 (novella)

19) Nightmare Town, edited by McCauley, Greenberg & Gorman, 1999 (stories)

20) Crime Stories and Other Writings, selected by Steven Marcus, 2001 (stories)

21) Lost Stories, edited by Vince Emery (stories)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Minha homenagem a Lester Young, Charlie Parker e Coleman Hawkins

Lester Young e a sua trompete

Há dias "ofereci-me" uma coisa maravilhosa: um cofre com 10 CDs de Lester Young e outro de Hawkins. Promoção especial de Clássicos, na Fnac, para qeum estiver interessado! Ainda lá ficou o Sydney Béchet... Tenho que lá voltar!
Descobri esta foto maravilhosa: abertura do "night" Birdland, assim chamado em honra de Charlie Parker, the Bird...

15 de Dezembro de 1949
Opening night at Birdland, the New York club named in honor of Charlie Parker.
From left: Max Kaminsky, Lester Young, Lips Page, Charlie Parker, and Lennie Tristano













Os Scorpions e uma belíssima canção: "Still loving you"


terça-feira, 23 de março de 2010

As andorinhas e os "bichos raros" que as amam...

andorinhas em bando...


Vista de Portalegre onde, tantas vezes, na minha casa amarela, vi passar as andorinhas


lago de St. James Park, em Londres


As andorinhas, a Primavera e os “bichos raros” que ainda somos...

Disse uma amiga que quis deixar um comentário no blog mas não conseguiu...

Já tentei inserir comentários, mas não consegui. “Desgravam”
Comovi-me com o seu texto de … hoje? Ou de ontem E de ontem, e de anteontem, etc..
Comovo-me com a chegada das andorinhas, comovo-me com o florir do lilás nesta época do ano, comovo-me com o cantar do cuco em descampados…"
E continuava:
"Memórias, mas não só. Tenho aqui perto a Quinta da Conceição para onde vou, sempre que posso, estender-me na relva e olhar as nuvens e o céu azul – e, por vezes, através de um chapéu de palha…(já experimentou?). Como toda a gente foge para a praia, aquela relva está quase por minha conta e de outros bichos raros como eu – como nós…"

Achei o que ela dizia cheio de sensibilidade, era uma pena perder-se e "copiei" o email que me mandou para aqui.

Interessante porque esta minha jovem amiga, além de regente de cadeira de Literatura de Expressão Portuguesa, na Universidade do Porto, é também Professora de Literatura Policial... (Peço desculpa pelos erros na "terminologia" dos cargos)

andorinha do rio

Logo, qualquer "parti-pris" contra a literatura policial tem que ver com uma certa ignorância do que essa literatura é. No fundo, Literatura é Literatura...

imagem do blog Valandgui, "blooming in Hampstead"
Diz também o meu amigo "Trepadeira" num comentário, que ama as andorinhas -ou não fosse ele um poeta com o blog cheio das imagens mais delicadas de aves, animais, plantas, flores? Pois diz ele, num protesto, num medo que compreendo muito bem:
"Espero que, para além de matar as andorinhas, não estejamos também a matar a Primavera..."
Esperemos que não...

As nossas andorinhas dos nomes poéticos: andorinhas do rio, andorinha das bochechas vermelhas, andorinha de bando, andorinha tribal, andorinha das chaminés, ou hirundo rustica (vi alguns destes nomes nos blogs "aves do teritório alagoano" e "Gabriela D.").

andorinha serradora

Será que o amigo Trepadeira nos pode dar uma ajuda sobre este assunto?

Depois, um anónimo disse...

"O seu (...) texto faz-me recordar duas poesias espanholas, uma de Rafael Alberti, "Se eqivocó la paloma", e a outra de Adolfo Becquer, "Volverán las oscuras golondrinas". Porque o seu (...) texto fala de buscas e de nostalgias."
Grandes poetas esses dois, sim. Esse tema atrai os poetas, que o não sou, claro, nem nisso penso.

Mas a beleza...

andorinha-de-bando

...anda por aí. Como não pensar nas andorinhas? Lembro o nome destas aves belas, simples, discretas, delicadas que suavemente cruzam os céus trazendo a nova da beleza na terra: a Primavera vem aí!

E penso como são doces os nomes da andorinha em todas as línguas (que conheço...)

Da "andorinha" passamos para "rondina" (italiano), "hirondelle" (francês), "golondrina" (espanhol), todas com o étimo comum latino (hirundo) e todos com tão grande doçura.

andorinha negra

Depois vem o inglês "swallow" que é também duma musicalidade estranha e bela.

Como serão os nomes noutras línguas? Russo? Sueco? Finlandês?

Alguém sabe?...

Havia uma aluna minha, das turmas da noite, que, por tudo e por nada, perguntava: "Alguém sabe? Alguém disse?" e quando de propósito escolho esta frase, penso nela.

andorinha das chaminés

A beleza está em toda a parte. Basta abrir os olhos e "olhar"!

Pronto! Já está! Mas é preciso querer, não é fácil...

Deve-se deixar para trás a raiva, o medo, o pessimismo, a amargura, a frustração dos dias, a desilusão da vida...

Por detrás do chapéu de palha de que fala a minha amiga-poeta, ou no cimo de um monte, empoleirado numa árvore, à beira de um lago, numa estrada deserta (ou até numa rua cheia de gente que nos impacienta) a beleza está à nossa espera.

E a Primavera também.

magnólias na Roland Gardens, em Londres
Já nasceram as primeiras flores... É só abrir os olhos e ir ver...

St. James Park, Londres

segunda-feira, 22 de março de 2010

Uma andorinha no Inverno




“Uma andorinha no Inverno”

O nevoeiro começara a subir pela a serra de Marvão, para lá dos telhados vermelhos das casinhas brancas, e o vento cortante parecia entrar nos ossos.


A pequena vila parecia adormecida no fim da tarde de Inverno.
Passaram duas mulheres, iam falando do frio e, de repente, uma apontou para o céu:
- Já chegaram, viste?

Olhei também. Eram as andorinhas que voavam num pequeno bando de quatro ou cinco. Vira-as nessa amanhã, ao acordar.
A outra respondeu, olhando para cima:
- Já vi. Enganaram-se, coitadas... Parecia que vinha aí o calor.

-Julgaram que tinha chegado a Primavera, coitadas. Não vão durar, comentou a primeira.

E continuou:

- Começaram a fazer o ninho ontem no beiral da minha casa, mas não agarrou, caiu, e hoje estavam lá de roda outra vez...
- Pois é...,

E abanou a cabeça, erguendo-a, a indicar o céu escuro.
De facto, enquanto o nevoeiro subia lá de baixo, o céu de um azul esbranquiçado ainda há pouco escurecia a olhos vistos.
A noite caía.
As andorinhas apressavam os voos. Se calhar pensavam o mesmo que nós e, assustadas, agitavam-se como voando às cegas.


A primeira mulher disse, com tristeza:
-Pois é, andam a acabar os ninhos. Mas não vão durar..., repetiu.


A manhã seguinte veio cinzenta de chumbo e o nevoeiro estendia-se já pela vila toda, de uma ponta à outra. Emergiam as ameias do castelo, as guaritas, a torre maior e o velho castanheiro secular.


Nas ruas andávamos como que envolvidos num novelo de lã branca, dava vontade de estender as mãos para afastar os fios.

À noite, os lampiões alumiavam fracamente numa luz amarela leitosa. O nevoeiro em rolos cada vez maiores deslocava-se de lado a lado, deixando por breves momentos luzir uma estrelinha lá no alto, que logo era engolida pela névoa.

O que ia ser das andorinhas e dos ninhos?
Na manhã seguinte, o mau tempo continuou. Olhei os céus à procura delas e não as vi em lado nenhum. Tinham desaparecido...

Hoje, longe da Serra de Marvão, perto do mar, a Primavera chegou.

Mas aqui olho para os céus e não vejo as andorinhas...