quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ainda Marvão e o escritor Branquinho da Fonseca...



Marvão, a casa onde viveu Branquinho da Fonseca


Num passeio até ao Castelo, indo pela rua Dr. Matos Magalhães, cheguei ao Largo Camões. Largo situado a grande altitude e aberto, de um dos lados, sobre as serranias, pouco diatante da Igreja.

Pouco adiante, deparo com a casa onde viveu pouco menos de um ano Branquinho da Fonseca, na vila, onde foi Conservador do Registo Civil. Hoje, ao lado, uma loja de artigos de artesanato da região onde gosto sempre de comprar um pratinho alentejano.

Na parede da casa, uma lápide de 1977, durante as comemorações dos 50 anos da Presença, assinala a passagem do escritor. Homenagem da Câmara, Governo Civil de Portalegre e Secretaria de Estado da Cultura.

Aqui viveu de 10 de Abril de 1935 a 6 de Dezembro de 1936 o escritor Branquinho da Fonseca”.
Pensei em David Mourão-Ferreira, secretário de Estado da Cultura nesses anos. E tive saudades do professor que ele foi, da sua capacidade de ensinar, da sua sensibilidade, da pessoa humaníssima que ele era.

E, logo, lembro Branquinho da Fonseca, o grande contista, e os seus livros que não esqueço: o romance “Porta de Minerva” sobre a sua juventude em Coimbra único romance do escritor (1947);
Mas, sobretudo, “O Barão”. A história louca de uma noite em casa da figura mais extraordinária!
Ou o livro “Caminhos Magnéticos” que, para mim, inclui dos contos mais invulgares da literatura portuguesa –que mereceriam estar numa "Antologia do Conto Universal".
Recordo o maravilhoso e terrível “Rio Turvo” (1945), ou “Bandeira Preta” (1956): aventuras do autor-narrador, ainda garoto, e do seu amigo o inesquecível Chinca!
Impossível não o imaginar, ao meu lado, andando pela vila, subindo degraus, até ao Castelo, como eu...
Parar, a observar a paisagem linda que se vê do castelo sobre o horizonte distante, as casinhas brancas debruçadas nas ruas desenhadas, que hoje vejo quase geométricamente traçadas.
Que nos seus tempos seriam menos perfeitas mas mais próximas dos caminhos dos campos que circundam ainda hoje a vila de Marvão.
Ver talvez, como eu agora, os telhados vermelhos a sobressair na névoa mais as grandes chaminés alentejanas.
Talvez saudoso de Coimbra ou do mar imaginar um azul num céu diferente, com outros matizes mais suaves, sem a crueza da luz que, por vezes atingem os reflexos do sol na cal branca das casas...

Imagino-o na solidão daquela terra fora do mundo, no silêncio por vezes quase insuportável de certos momentos, calafetado, nebuloso, em que nos sentimos como se passeando em nuvens de algodão em rama...
Nem uma voz nem um ruído perturba a visão silenciosa de um mundo esteticamente maravilhoso...Subindo ou descendo escadas de pedra, seguindo por ruelas como azinhagas no campo.
E, sempre, lá longe como limite o céu... E o sonho!
uma das muitas ilustrações de Júlio Pomar n' "O Barão"
O horizonte infinito com os rolos de nuvens que se deslocam, velozes, rondam os cimos das serras, os ventos que sopram, assobiam, entram pelas ruelas e nos fazem estremecer debaixo dos agasalhos, bem fortes para nos protegermos da humidade que se nos prende aos ossos.

De facto, "O Anjo", "D. Vampiro", "O Lobo Branco" –duro, tremendo- são contos fantásticos no verdadeiros sentido da palavra.

Que nos fazem sentir ou recear? que “há mais zonas”, como no livro que Branquinho escreveu e que se intitula exactamente “Zonas” (1931).
E - ainda nos “Caminhos Magnéticos” (1938)- contos como “O Conspirador”, ou “A única estrela”.
E depois volta à lembrança o inefável conto "O Barão" !(1942)

Conto ou novela (1)? Que importa...
ilustração de Júlio Pomar (Portugália Editora, edição especial de 1959)

Um dos mais belos e estranhos momentos os que vivemos a lê-lo, participando logo naquela "cavalgada" alucinante. Com o narrador, embrenhados pelas serras, correndo atrás do louco (?) - o romântico e brutal e doce e poético e tristonho "barão", sentados na mesa ao lado dele, a ouvir a Tuna, e, adormecidos pelo vinho, seguir desconfiados a figura sombria da criada.
Até irmos com ele depor uma rosa em frente do balcão da Bela Adormecida.
"Sonho ou realidade?", pergunta o narrador, ao acordar na manhã seguinte...
Que importa?, não é verdade?

Quis falar-vos deste escritor, porque, para mim, os livros de Branquinho são um nunca acabar de histórias maravilhosas que me enchem a alma pela imaginação, verdade e poesia, a dureza da solidão, a dificuldade de crescer, a violência e o sofrimento da infância, o egoísmo dos vampiros que somos, tantas vezes, a viver sobre os outros, sugando-os -ou deixando-nos sugar- sem darmos conta disso.

Seria talvez o momento de falar de Branquinho da Fonseca...

(Capa do catálogo (Maio de 2009) dedicado a Branquinho da Fonseca, publicado pela Livraria Lumière do Porto, que tem livros dele.
Podem consultar o site da livraria http://livrarialumiere.blogspot.com/)
Uma breve nota biográfica, para quem o não conhecer:

"José António Branquinho da Fonseca nasce em Mortágua(Coimbra), em 4 de Maio de 1905 morre Cascais, em 7 de Maio de 1974.
Poeta, dramaturgo e ficcionista, filho do escritor Tomás da Fonseca, frequentou os primeiros anos do curso liceal, em Lisboa.

Completou os primeiros anos do Liceu em Lisboa, partindo depois para Coimbra, onde termina os seus estudos secundários e onde se forma em direito na Faculdade de Direito de Coimbra, no ano de 1930.

Ainda como estudante participa da fundação da revista "Tríptico" (1924).

Nesse ano publica "Poemas".
Em 1927, no dia 10 de Março, ainda estudante de Direito, faz parte do grupo dos fundadores da revista Presença, considerada o marco inicial da segunda fase do modernismo português, ou "presencista". (wikipedia)
O movimento vai eclodir em Coimbra em 1927 e dele fizeram parte José Régio e João Gaspar Simões, entre outros".
Na revista, Branquinho vai publicar poemas e textos também sob o pseudónimo de António Madeira.
peça de teatro "Posição de Guerra", editada nas edições da revista "presença" (1928)
Esta "Folha de Arte e Crítica”, como se auto-intitula a revista "presença", é um sopro de cultura, de novidade, de imaginação, de poesia que engloba todas as Artes: cinema, pintura, música, poesia, romance, ensaio.

"Branquinho da Fonseca exerceu o cargo de director da revista até 16 de Junho de 1930, data em que, conjuntamente com
Miguel Torga e Edmundo de Bettencourt, se desliga definitivamente da Presença, tendo sido substituído na direcção da Presença por Adolfo Casais Monteiro. "
(wikipedia)

OBRAS DO AUTOR:

Poesia:
Poemas
- 1926;
Mar Coalhado - 1932;
Poesias - 1964;
Teatro
Posição de Guerra
- 1928;
Teatro I - 1939;
Contos
Zonas
- 1931;
Caminhos Magnéticos - 1938;
O Barão - 1942;
Rio Turvo - 1945;
Bandeira Preta - 1956;
Romance
Porta de Minerva
- 1947;
Novela
Mar Santo
- 1952.

(1) Uma "novela" em português é uma narração em prosa de menor extensão do que o romance.
Em comparação ao romance, pode-se dizer que a novela apresenta uma maior economia de recursos narrativos; em comparação ao conto, um maior desenvolvimento de enredo e personagens. A novela seria, então uma forma intermediária entre o conto e o romance, caracterizada, em geral, por uma narrativa de extensão média na qual toda a ação acompanha a trajetória de um único personagem (o romance, em geral, apresenta diversas tramas e linhas narrativas.
(wikipedia)

3 comentários:

  1. Juntei-me ao passeio embora, não tenha lido os títulos que focou à excepção do "Rio Turvo".

    As fotografias estão magníficas: o casario solta-se pelas ruas estreitas e sinuosas e marcam presença nas ruas solitárias que nos conduzem ao horizonte imenso, a partir do Largo de Camões.
    Beijihos

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  2. Carinhosamente lembramos de uma amiga "o falcão" que ama jazz - a ela, pela sua sensibilidade das coisas simples e beleza. Desvalessa.

    Cozinha dos Vurdóns

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  3. Agradecida por me ter envolvido nesta viagem; Fui uma vez ao Marvão e fiquei extasiada com a paisagem. O horizonte avassala-se nas nossas entranhas. Para mim falar de Branquinho foi importante apenas li O "Rio Turvo" há já muito tempo da coleção RTP.

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