quinta-feira, 31 de março de 2011

Não há 25 de Abril, no Parlamento? Então e a gaivota do poema do O' Neill?



Gaivota

Se uma gaivota viesse

trazer-me o céu de Lisboa

no desenho que fizesse,

nesse céu onde o olhar

é uma asa que não voa,

esmorece e cai no mar.


Que perfeito coração

no meu peito bateria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde cabia

perfeito o meu coração.


Se um português marinheiro,

dos sete mares andarilho,

fosse quem sabe o primeiro

a contar-me o que inventasse,

se um olhar de novo brilho

no meu olhar se enlaçasse.


Que perfeito coração

no meu peito bateria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde cabia

perfeito o meu coração.


Se ao dizer adeus à vida

as aves todas do céu,

me dessem na despedida

o teu olhar derradeiro,

esse olhar que era só teu,

amor que foste o primeiro.


Que perfeito coração

morreria no meu peito morreria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde perfeito

bateu o meu coração."


(poema de Alexandre O'Neill)


Gaivota, canta Amália Rodrigues

letra: Alexandre O' Neill/música Alain Oulman


segunda-feira, 28 de março de 2011

The Lady of Shalott

Loreena McKennitt e a "Lady de Shalott", de Tennyson (a canção é The Lady of Shalott (LIVE)


The Lady of Shalott, William Gley

The Lady of Shalott, por Willian John Waterhouse

Foi a leitura do blog "Feira das Vaidades" que me lembrou de novo a lenda da "Lady of Shalott", o belo poema de Lord Tennyson.


Recordei a canção de Loreena Mackennitt que aqui vos deixo.


Associo também o nome da grande Agatha Christie e o seu “Mirror crack'd from face to face”, que refere a mesma lenda, que vai trazer a maldição à sua personagem...

Quem é Lord AlfredTennyson não preciso de lembrar, nem a escritora Agatha Christie...

Deixo apenas umas palavras sobre a bela McKennitt.


Nasce (17 de Fevereiro de 1957) em Morden (Manitoba) no Canadá, descendente de irlandeses e escoceses. Em 1981 vai viver para Ontário. Cedo desenvolve uma paixão pela harpa céltica (Celtic harp) –que começa a tocar muito jovem- e pela world music (música folk, ou “ethnic music”), ligada a temas célticos ou medievais, tornando-se numa pianista, acordeonista, cantora e compositora...



A sua voz de soprano é muito bela. Ouçam-na.


http://www.youtube.com/watch?v=Zr_hhkY4Bnk http://www.youtube.com/watch?v=R5sSrYzzIKw



O poema de Alfred Tennyson fala da bela "Lady of Shalott", fechada no seu castelo, perto de Camelot, onde estava a Corte do Rei Artur.


"Willows whiten, aspens quiver,


Little breezes dusk and shiver


Through the wave that runs for ever


By the island in the river


Flowing down to Camelot.


Four grey walls, and four grey towers,


Overlook a space of flowers,


And the silent isle imbowers


The Lady of Shalott. "


Ela é um ser lendário que vive só numa ilha perto de Camelot, o reino do lendário Rei Artur.


A "Dama de Shalott" olha para o mundo que rodeia o seu castelo através de um espelho. Conhece apenas o reflexo desse mundo e vai tecendo o que vê, numa tapeçaria.


Foi proibida, pelo mágico que a criou, de olhar para o mundo fora do espelho.


Sabe da maldição que cairá sobre ela se olhar directamente para Camelot...


Um dia...





Georges Brassens, ou a liberdade, na Cité de la Musique, em Paris

Três figuras-chave da música francesa: Jacques Brel, Léo Ferré e Georges Brassens

"Brassens ou la liberté " à la Cité de la musique DU 15 MARS AU 21 AOÛT 2011

Em Le Monde, de 15 de Março, Véronique Mortaigne anuncia:


“Desenhos, BD, fotografias, extractos musicais, filmes …todo um conjunto de leveza, celebram, na Cité de la Musique, o cantor e o poeta que morreu em 1981.Georges Brassens morre (e nasce) no Outono, a 29 de Outubro, mas decidiu-se festejá-lo logo no começo da Primavera.A lógica do calendário alterou-se numa exposição –género de evento em que a duração é necessária – onde o nativo de Sète se instalou a partir de 5 de Março, durante 5 meses, até ao dia 21 de Agosto. »





Neste ano 2011, passam 30 anos sobre a morte de Georges Brassens (nasce em 22 de Outubro de 1921, em Sète) e simultaneamente 90 sobre o seu nascimento…Em Paris, a « Cité de la Musique » decidiu abrir já a Exposição que lhe dedica, para que todos possam ver, com tempo, o que lhe dedicam neste espaço.


"Na continuidade de outras exposições que visam esclarecer o percurso de personalidades emblemáticas da cena musical do séc. XX, em França e no estrangeiro, tais como « We wnat Miles » (sobre Miles Davis, em Outubro de 2009), « Gainsbourg 2008 », « John Lenon, infinished music » (2005) , Pink Floyd Interstellar » (2004), « Jimmi Hendrix Backstage » (2003), a Cité de la Musique deseja prestar homenagem a um monumento da cultura musical francesa : em 2011, Georges Brassens, desaparecido há 30 anos, faria 90 anos."


De facto, quem não conhece Brassens ? Mesmo em Portugal, quantos de nós cantámos um dia uma canção dele : L’Auvergnat, Les amoureux des bancs publics, Les Copains d’abord, ou Auprès de mon arbre ? E tantas outras.


Quem era o verdadeiro Brassens ?, interrogam-se os organizadores da exposição.É esse Brassens desconhecido que pretendem trazer ao público…


"É altura de redescobrir que por detrás da figura bonacheirona da "France d’antan" se esconde um indivíduo especial, estudioso das letras, fino conhecedor da poesia francesa, e também um grande músico formado no « swing » e amante de Charles Trenet ; um « libertário » que prefere a sua estrada individual aos combates colectivos, sem renegar as convicções, opondo-se à guerra, à moral ben-pensante ou ao arbitrário da justiça e da polícia ; uma força tranquila, inquebrável no turbilhão do sucesso, que nunca deixou de seguir a sua música interior "


Como apresentar esse Brassens novo ?


"A Cité de la Musique quis, para além das imagens estereotipadas, fazer com que ele seja descoberto sob um ângulo inédito :pediu ao desenhador e autor Joann Sfar e à journalista Clémentine Deroudille, que nos transmitissem a sua paixão por Brassens."


Ouçam algumas das suas mais belas canções !


http://www.youtube.com/watch?v=Lc8nnrawbI4




http://www.youtube.com/watch?v=R4YTPeNobjo


sábado, 26 de março de 2011

Como se fosse a última vez...


Como imaginar o que sentem os japoneses?, é a pergunta de Alain Rémond, na revista "Marianne", nº 726, de Março.


Artigo cheio de interesse, de humanidade, de procura de um sentido. Vou deixá-lo falar, é inútil acrescentar seja o que for: o que ele diz é perfeito...


Sim. Como viver depois da catástrofe? Hoje ninguém sabe o que vai ser o futuro: que vida? A vida simples e normal de todos os dias: levantar, ir para o trabalho, ir às compras, ouvir música, ir ao cinema, encontrar os amigos, comer fora...”


Mas como repetir os gestos mais simples? Num país onde há dezenas de mortos - como recomeçar a viver?


Um país devastado desfigurado, lugares onde não se pode chegar, onde nem se sabe o que se passa, quem morreu, quem ficou vivo. Nem se sabe se a vida poderá um dia voltar a surgir por aqueles sítios. E a ameaça constante, que transforma cada dia num mergulho em apneia, a suster o fôlego: o que se vai passar, ali, daqui a pouco, dentro de uma hora, de duas horas? As fábricas fechadas, os cadeados à entrada, os armazéns com as prateleiras vazias, a economia derrubada, o futuro como um buraco enorme ao fundo de uma auto-estrada onde tudo explodiu.”

Que fazer?

Todos os dias as mesmas perguntas: ficar? Partir? E as pessoas passam, seguem como que absortas, mortas-vivas, desesperadas. Sem uma expressão de alarme, de queixa, sem gritos?


Lembro um poema terrível de Hanoch Levin (escritor, poeta, dramaturgo, encenador israelita, nasce em 1943 e morre em 1999) sobre a morte, a dor de quem fica, a resignação, o silêncio, a reconciliação com essa morte, a separação definitiva, que deixa para trás o morto numa enorme solidão. Abandonado.

«But when the doctors told you: “He’s dead”

-you burst out crying and then were silent,

meaning you did not rise,

did not rebel,

meaning you were reconciled,

meaning I go this way, you go that.»

("The life of the dead")

Abandonar os que amamos para nos salvar? Deixar para trás os que morreram ou apenas desapareceram, mas que nunca mais voltarão? Para poder salvar outros que amamos? Mas... ir para onde? Fazer o quê?

Nada tem sentido. E vem a pergunta crucial, que se segue aos grandes dramas, às coisas irreparáveis:


No fundo o que é que é importante na vida? O que é faz que uma vida seja uma vida? Como continuar a viver, para si e para os outros, com os outros? Sim, era nisso que eu pensaria se fosse japonês. Talvez. Nunca se sabe, afinal de contas. Foi tudo tão rápido, tão irreal, como posso saber como reagiria?”

E conclui que só pode saber o que pensa agora, no sítio onde vive, hoje, longe do Japão. Sem teatro, sem dramas, com toda a simplicidade, pergunta-se o que faria.


Teria reaprender a viver com esta ideia mesma: que tudo, de repente, pode parar. Olhar a beleza do mundo, o mar, as ilhas, o céu, as árvores na Primavera, as flores que nascem, a beleza das aldeias e das cidades, como se fosse a última vez. Aprender a viver com essa ideia.

Como se isso fosse possível...”


Porque no fundo "nós" não somos capazes disso! Não podemos, não queremos, tão habituados estamos a viver na monotonia de um quotidianno feito à nossa medida.


Lúcidamente, Rémond constata:

Vivemos cada dia como se o amanhã fosse certo, temos encontros marcados, sabemos o que vamos fazer – mesmo que o imprevisto e as surpresas nos divirtam.

Queixamo-nos da rotina e não podemos viver sem ela, a velha rotina que nos tranquiliza, que nos faz sentir em casa neste mundo onde já temos os nosso hábitos, há tanto tempo!

Mas tudo pode ruir, de repente, o mundo pode transformar-se noutro mundo, onde não reconheceremos nada”.


Basta chegar uma onda negra que tudo engole...


(...) “De repente a morte pode chegar com uma nuvem que se escapa de uma central que explode. Não estava previsto. Não se esperava. Não se imaginava.


Digam, por favor, as coisas podem voltar a ser como eram? No tempo da boa e velha rotina? Podemos esquecer tudo e recomeçar como antes?


Não há respostas. Há escolhas...


Eu quero olhar a beleza do mundo, quero viver a minha vida de homem, com os problemas de uma vida de homem, a felicidade possível de uma vida de homem, a pensar nos outros que vivem lá, do outro lado do mundo, que passaram para o outro lado da vida.

Gostaria de não os esquecer nunca. Gostava de estar ao pé deles, para não esquecer quanto todas as coisas são preciosas, para sempre.

Tudo isto, claro, não serve para nada. A não ser amarmos, desesperadamente, a vida que é a que temos; a não ser amar todos os que amamos, para sempre.”


O que poderia dizer mais, eu? É uma lição de vida, de escolhas...


Não quero esquecer o exemplo do povo japonês, e os voluntários, os chamados "liquidatores", que se sacrificam para resolver a situação quase impossível dos reactores. Jovens, menos jovens, soldados, bombeiros, todos lutando, voluntários - quantos deles já com a morte dentro?


E nós?


Seremos capazes de responder a esse desafio? Ou vamos voltar a cair no ram-ram de uma vida rotineira, cheia de "obrigações" inuúteis? De escravidões ignoradas?


Esquecidos do Japão? Vencidos à partida? Aceitando? Sem lutar pelo nosso futuro diferente?


Temos que aceitar o desafio! Exigindo!

ENCONTRO: FRANK SINATRA E TOM JOBIM


http://www.youtube.com/watch?v=K1bVpbu8bXQ

http://www.youtube.com/watch?v=SQ9Uudu17o0

http://www.youtube.com/watch?v=6VCNIWmxaps

“Um dia em que tomava chope com amigos no mesmo bar celebrizado por Garota de Ipanema, Tom Jobim recebeu o mais surpreendente telefonema de sua vida.

Do outro lado da linha, ninguém menos que Frank Sinatra "The Voice” que queria gravar um disco só com músicas de Tom que topou na hora. Foi uma conversa curta:

- Quero fazer um disco com você e saber se você gosta da idéia - perguntou Sinatra ao telefone.

- É uma honra - respondeu Tom.

O cantor sugeriu que Tom tocasse violão. Apesar de não gostar da idéia Tom aceitou.
Mas também fez um pedido de colocar um baterista brasileiro por nome de "Dom Um Romão" que foi prontamente aceito pelo cantor, depois de comentar:

- Não tenho tempo para aprender canções novas e detesto ensaiar. Vamos ficar com as mais conhecidas, os clássicos.

Quando se recuperou da surpresa, Tom lembrou-se da esnobada que um editor nova-iorquino lhe dera três anos antes envolvendo indiretamente a figura de Sinatra.

Em 1963, Tom procurou um agente em Nova York e reclamou com ele da má qualidade das versões americanas de suas músicas.

- Como é que o Frank Sinatra vai gravar minhas músicas com essas letras?, ponderou Tom.

"E quem é que disse que o Frank Sinatra vai gravar suas músicas", replicou o agente com um debochado sorriso nos lábios.

Em janeiro de 1967, hospedou-se no Sunset Marquis de Los Angeles para dar início ao trabalho, afinal adiado porque Sinatra refugiara-se em Barbados para esquecer mais uma desavença conjugal com Mia Farrow.

Tom Jobim repassou todos os arranjos com Ogerman, compositor, arranjador e regente alemão, compôs mais duas músicas (“Wave” e “Triste”) e quase morreu de tédio.

Enquanto esperava um sinal de Sinatra, Tom escreveu várias cartas a Vinícius.

Numa delas autodefiniu-se como "um infeliz paralisado num quarto de hotel, esperando o chamado para a gravação, naquela astenia física que precede os grandes acontecimentos, vendo televisão sem parar e cheio de barrigose".

E assinava: "Astênio Claustro Fobim".

As gravações começaram às 20h do dia 30, no Studio One da Warner Western Sound em Sunset Strip.

Por precaução, Sinatra gravou primeiro duas das três canções americanas incluídas no repertório, “Baubles, Bangles and Beads” e “I Concentrate on You”, com as quais só não tinha intimidade em ritmo de Bossa Nova.

A primeira de Tom que ele encarou foi “Dindi”, seguida de “Change Partners”.

A última faixa da noite foi “Inútil Paisagem”. Apesar do natural nervosismo do brasileiro a sessão transcorreu num clima de extrema afabilidade. Nas duas noites seguintes não seria diferente.

A crítica americana elegeu o encontro de Sinatra e Jobim o "álbum do ano".

Nas vendas perdeu apenas para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” dos Beatles.

Um segundo disco com os dois seria gravado dois anos depois, em 1969 com o título de “Sinatra & Company”, com arranjos de Eumir Deodato.

Àquela altura, Tom e o cantor já haviam se tornado amigos.”

Agradeço ao meu amigo, Mr. Butterfly, esta "informação" toda...

Namastê!


Boa música para o fim de semana! Michael Franks e "Tiger in the Rain"


sexta-feira, 25 de março de 2011

Policiais: Daniel Silva e "O Assassino Inglês"

Daniel Silva nasce no Michigan em 1960, (de família judaica, mas é educado por um casal de imigrantes portugueses nos EUA, açorianos) e é um dos autores que mais vende hoje na América.

É autor de 13 romances de espionagem e thrillers.

O seu último romance -saído em Julho de 2010 (ignoro se saiu mais algum) chama-se The Rembrandt Affair e tornou-se num best-seller.

Quando fazia um master em Relações Internacionais, teve um convite da United Press International para fazer a cobertura da Convenção Democrática, em São Francisco, em 1984.

Ainda nesse ano deixa os estudos e entra para a UPI a tempo inteiro, trabalhando primeiro em São Francisco e depois no desk dos Negócios Estrangeiros, em Washington. Finalmente, é nomeado correspondente do Médio Oriente, no Cairo.

Em 1987, é correspondente na Guerra Irão-Iraque.

Tudo isto lhe permite um conhecimento dos problemas do Médio Oriente, tantas vezes presentes nos seus livros.

A maior parte dos seus romances focaliza uma realidade polémica: a dos judeus por todo o mundo, os atentados islâmicos contra Israel ou acontecimentos ligados à II Grande Guerra ou ao "Holocausto".

Daniel Silva trabalha, desde Janeiro de 2009, no Holocaust Memorial Museum, dos Estados Unidos.

Com o tempo, fico mais sensível aos valores da lealdade e fidelidade. E à família. Essa é a minha herança portuguesa. Vivi numa comunidade de pescadores portugueses, imigrantes dos Açores, em Massachusetts, e aprendi com eles o valor do trabalho duro, da solidariedade e da esperança”.

O herói das suas histórias mais recente (anteriormente era Michael Osbourne) é um restaurador de arte, espião e por vezes assassino, chamado Gabriel Allon.

Gabriel Allon aparece em 9 dos seus romances, entre os quais, “O Assassino Inglês”, “O Confessor”, “Príncipe de Fogo”, etc.

Vou-me referir apenas ao livro que li há pouco, “O Assassino Inglês” (traduzido e editado pela Bertrand, colecção 11/17 “best-seller”, 2008).

A acção desenrola-se na Suíça e envolve a participação “neutral” de um país que se revela afinal comprometido com a Alemanha Nazi, nos seus mais íntimos segredos: o comércio das obras de Arte, confiscadas aos judeus por toda a Europa e depositadas pelos alemães nos cofres secretos dos bancos suíços.

História cheio de peripécias, onde o herói Gabriel Allon vai defrontar um assassino que ele próprio ajudara a treinar...

Devo dizer que a tradução de Vasco Teles de Menezes é muito boa.

Obras do autor

(publicadas na maioria pela Bertrand Editora, mas também pelo Círculo dos leitores -"As regras de Moscovo")

Série Gabriel Allon: 1. Artista da Morte; 2. O Assassino Inglês; 3. O Confessor; 4. Morte em Viena; 5. Príncipe de Fogo

6. A Mensageira; 7. O Criado Secreto; 8. Moscow Rules; 9. The Defector

Série Michael Osbourne:

1. A Marca do Assassino
2. The Marching Season





quinta-feira, 24 de março de 2011

Um Prémio para o meu blog

Recebi do blog "Gialli-e-Geografie", um blog policial italiano, de que já vos tenho falado, um Prémio : "Kreative Blogger"...

É sempre uma grande alegria "ter algum reconhecimento" e muito agradável que sejam os colegas bloguistas a reconhecer alguma validade, criatividade (neste caso) ou seriedade suficiente para o "premiar"...

Escrever um blog tem muito de "satisfação do ego" e isso às vezes enerva-me, pois percebo que caio nessa auto-satisfação: é bom sentir que "me ouvem", ver que às vezes me apreciam, que há sintonias...
Valerá a pena ? Terá alguma utilidade ?
Mas depois, para me justificar, penso que, no fundo, esse sentimento é ...humano.
Mais vale dar o que se tem e se pode dar -do que não dar nada. E eu sinto que gostava de "dar" aos outros um pouco do que sei. Só isso.

Depois destas palavras de dúvida e de "justificação"- tenho uns "trabalhos" a fazer:



1. Escolher 10 blogs a quem passar o "Kreativ".

Aqui vai a minha escolha:

http://viajarpelaleitura.blogspot.com/ - sempre a par dos livros...
http://www.estantedelivros.com/ - o prazer dos livros
http://quantotempotemotempo.blogspot.com/ -sem tempo, sempre com interesse
http://acasaimprovavel.blogspot.com/ - onde a poesia se esconde
http://dona-redonda.blogspot.com/ - sensibilidade e bom senso
http://jazzseen.blogspot.com/ - um bom Jazz, sempre, um senhor que sabe de jazz
http://carlotapiresdacosta.blogspot.com/ - a juventude de um blog romântico e sensível
http://cildemer.blogspot.com/ - "cil de mer" ou a saudade do mar de Portugal
http://feira-das-vaidades-mil.blogspot.com/ - tanta coisa a descobrir: os espelhos!
http://memoriasimagens.blogspot.com/ - bom gosto, beleza, arte

2. Avisar os bloguistas "premiados": assim que "publicar" o "post, aviso-os!


3. Responder a um questionário: quais as dez coisas de que gosto e gostaria de "partilhar":

* Música
* Olhares
* Livros
* Amigos
* Café
* Mar
* Silêncio
* Conversas
* Dormir
* O azul

Histórias da Casa Amarela: O monte de Turquinos, no Alentejo

Gostava muito de ouvir a minha tia contar as histórias da sua vida aventurosa com o meu tio, por terras do Alentejo...


Vivíamos nessa altura numa aldeia que se chamava Sabóia, perto de Santa Clara,
no limiar entre o Alentejo e o Algarve”, contava-me ela.


a igrejinha de Sabóia, hoje

"Caminhos que eram mais carreiros pedregosos, onde só os burros e os rebanhos andavam à vontade..."

Ria-se.

Eu ia imaginando os caminhos de pedra soltas onde a potente moto Jawa do meu tio, que eu tanto admirava, não conseguia chegar, porque os pneus se rasgavam nas pedras cortantes.

Tinha que a deixar na aldeia, em casa de um amigo, e subir a pé até à casa do monte.

O meio de transporte comum era a carroça. E as pernas...

E lá íamos a abanar, desde Odemira. Via-se o rio e era bonito. O pior era o calor!”

A caminho de Turquinos, o montinho onde iam viver. Oliveiras e sobreiros, searas amarelas, campos queimados pelo sol ardente...

Eu pensava nos versos de Régio...

“ cercada de serras, ventos, penhascos, oliveiras/ e sobreiros...”

A minha tia continuava a contar:

Foi uma campanha difícil. O teu tio nunca se queixou. Sabes como ele é.”

Sorriu, a lembrar-se.

Partia ao nascer do sol e voltava ao fim do dia, já o sol se tinha posto. Sempre com a mesma alegria, a contar histórias para me distrair...”


Lembrava-se da primeira viagem. O meu tio já lá estava a viver no monte há uns meses.

Ela adiara porque o filho ainda era pequeno.

Fora um amigo do meu tio que a fora esperar ao comboio e a acompanhara até Sabóia.

A carroça chocalhava, ela sentia-se abanar até à alma, dum lado para o outro, dum lado para o outro.

O olhar velava-se-lhe pela força do calor enquanto uma neblina parecia subir dos campos e fazia tremeluzir as searas amarelas.

Com o meu primo pequenino ao colo, enjoada, a suar, vermelha do sol que incidia em cima dela desde manhã, dourado e quente, ansiava.

O zumbido dos besouros, das cigarras e dos ralos era ensurdecedor e a cabeça ardia.

O Alentejo escaldante, no pino do Verão... Lá voltavam à memória os versos de Régio:

"Ao vento suão queimada..."

Parecia-lhe que ia adormecer, desfalecia, tinha medo de deixar cair o menino dos braços, e só perguntava:

- Ó Vilarigues, ainda falta muito?

O Vilarigues era o maior amigo do meu tio, e companheiro em muitas dessas duras "campanhas" alentejanas.

- Não é longe, respondia ele, a animá-la.

Não era longe, não, mas custava a chegar lá.

Quando chegaram ao destino, o cacho de bananas, que se lembrara de levar ao meu tio, tinha cozido com o calor e as bananas eram uma papa intragável.

Nunca a ouvi queixar-se desses tempos. Nem de nada.

No entanto, ela era uma menina que viera do Porto, mimada, cheia de facilidades na vida, pais com dinheiro que tudo lhe queriam dar, e que nunca adivinharam por onde andava.

Ela não queria nada.

Bastava-lhe estar ao pé daquele rapaz de olhos esverdinhados.



Daquele sorriso sempre aberto, do carácter alegre, só por momentos sombrio e sorumbático, mas que pouco duravam.

Que vivia os dias sem remorsos nem invejas, nem ambições que não fossem as de fazer bem o seu trabalho de cartógrafo, que ele amava, indo de terra em terra como um cigano.

E continuou a contar.

Um dia, parecia-me que ele nunca mais voltava, o pôr-do-sol estava já ali em cima, e decidi ir esperá-lo à curva do caminho, lá em baixo. Depois fui andando...”

Mas a noite caiu de repente, e a curva do caminho era sempre mais adiante.

Ouviam-se os ralos, o piar dos mochos, algum pássaro de rapina que descia em voo picado com o seu grito estridente, à caça dos coelhos da charneca, ou de algum rato.

A noite do Alentejo negra e estrelada não alumiava o caminho, a escuridão envolvia tudo. Como dizia o poeta:

"Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me..."

Pensando naquele "silêncio imenso", perguntava-lhe:

Tinha medo?”

Ela respondia, tranquila:

Não, não tinha medo... Senti-me abandonada, perdida, não sabia se andar para a frente ou se voltar para trás. O caminho tinha desaparecido diante dos meus olhos...”

Sentiu o ruído dos bois acompanhados por um homem que os conduzira até à fonte, ali perto, que ela ignorava onde era.

Ouvia claramente o pau que ele trazia a arrastar pelos caminhos e o ruído que fazia como uns estalinhos com a boca para conduzir os animais.

Descansou. Foi atrás dele. Falou-lhe. Disse-lhe que estava perdida.

O homem sossegou-a:

Assim que os animais beberem, a senhora venha atrás de mim e lá adiante vai dar com o caminho para o monte. Não há que enganar.”

Lá seguiram, noite cerrada. O homem e os bois à frente, a minha tia atrás, a ver onde punha os pés.

Adiante, como lhe dissera, havia uma bifurcação e o homem desviou para um atalho e disse que continuasse pelo carreiro em frente até ver as luzinhas da terra.

Continuou. A escuridão era total, não via um palmo à frente do nariz.

A dada altura, teve a sensação de ouvir passos pesados e rápidos atrás dela.

Estugou o passo.

"Quase corria, desejosa de chegar a casa..."

Sabia lá quem era? Falava-se muito dos malteses que andavam de monte em monte.

Um vadio? Um maltês?”, pensou.

Viu as luzes a brilhar, a casa estava perto.

Correu e entrou em casa, bebeu água fresca de um cântaro, e sentou-se, ofegante. O coração batia.

Pouco depois o meu tio entrou.

“Calcula que era o teu tio que tinha vindo aquele tempo todo atrás de mim! Nem ele me via nem eu a ele.”

E riu-se com o seu riso cristalino do costume.

A dois passos, na negrura da noite, não se aperceberam do perto que estavam um do outro...

Quando penso que era o teu tio!”, ria ela.