segunda-feira, 9 de maio de 2011

Aproxima-se o centenário da morte de Gustav Mahler : "Das Lied von der Erde" (A Canção da Terra") e "Morte em Veneza", de Visconti












Gustav Mahler nasce na Boémia, em Kalischt, em 7 de Julho de 1860, morre em Viena em 18 de Maio de 1911 (*).


Aproxima-se, pois o aniversário (centenário) da sua morte.
Difícil falar hoje de Mahler e da sua música sem nos virem à ideia as imagens do filme que Luchino Visconti realiza em 1971, Morte em Veneza...
O rosto expressivo do grande actor inglês Dirk Bogarde;



Ou ainda a beleza e a elegância de Silvana Mangano, nunca tão bela como aqui. Distingue-se pela óptima representação e pela classe única que dá à personagem, uma condessa polaca, mãe do jovem Tadzio.
Visconti com Silvana Mangano e com o costureiro dos filmes de Visconti, Umberto TirelliA praia, os toldos de riscas azuis e brancas, as famílias sentadas na areia ou em bancos, os véus com que as senhoras protegiam do sol a pele branca, as árias russas.


As gargalhadas, as crianças, os adolescentes, as brincadeiras, os morangos, a beleza e a juventude de Tadzio que deslumbram Von Aschenbach e o “inspiram”...


Um desfilar de imagens, de cenas, de cores, de sons. A beleza que Visconti põe no filme.

Luchino Visconti


E, sobrepondo-se a tudo –ou detrás de tudo- a música de Mahler, a sua 5ª Sinfonia, que entra forte, invade o écran.

Como fundo, a história de Thomas Mann desenrola-se, lenta e dramática, contando o que seria esse Verão de Mahler, em Veneza.

Cidade onde Thomas Mann também esteve e conheceu bem.


E vêm os flash backs, a música, Mahler jovem, Mahler músico, Mahler e a discussão com o amigo ( Bruno Walter, o mais íntimo dos amigos e seu aluno?) de que nunca esqueci a frase deste último: “O que há no final da estrada principal? A mediocridade!



E Mahler que conta: “Havia em casa do meu pai uma ampulheta de vidro...”
E fala do tempo, da ampulheta que inexorável marca a vida, e do momento “quando a areia desce e a parte inferior está quase cheia”, e o tempo a chegar ao fim, vem a angústia de ver a areia descer tão depressa.
Tão depressa “que já não há tempo para nada”...


Veneza maravilhosa, a laguna verde baço, o rosto de Bogarde/Von Aschenbach a “abrir-se”, Veneza a “ser descoberta”, a legria de quem a vê, e lá vem a música cobrir tudo.
O filme transmite, em imagens belíssimas, o drama Mahler/Mann/Von Aschenback e Veneza/a Beleza/ a ameaça do vibrião do cólera/a doença e a Morte.


Veneza/a Música/ a Beleza/ a Morte.
A fragilidade da beleza que passa, que morre cedo, que é tão difícil de preservar como a própria beleza...
Tudo se “recria” à volta da música e das imagens de beleza -e de decadência- no filme. Onde se fala da juventude que não dura, da beleza inatingível.


Que, no entanto, parece apontar, ao artista, qualquer coisa no azul do céu...

Ou foi imaginação dele?Aquele gesto de Tadzio afinal não significava nada?

Nunca o saberemos.

Von Aschenbac/Mahler morre. A música vence.

Depois de tudo acabar, é a música de Mahler que fica. Que ouvimos. E também o som de uma voz nostálgica, um canto numa língua não entendemos que se sobrepõe ou se alterna à sinfonia.

A beleza, essa, fica... Para quem a souber ver...

Um pouco mais sobre Gustav Mahler...
Figura muito complexa, Gustav Mahler diz de si próprio: “Sou três vezes apátrida! Como natural da Boêmia, na Áustria; como austríaco, na Alemanha; como judeu, no mundo inteiro. Em toda parte um intruso, em nenhum lugar desejado!"
De facto, Gustav e a família eram judeus e faziam parte de uma minoria alemã que vivia na Boémia.


O relacionamento entre os pais de Gustav não era bom e a atmosfera do lar era pesada, o que influenciou psicologicamente Gustav pelo resto da vida.O pai de Mahler era um violento e costumava maltratar a mulher. Gustav sofria com isso.
Mais tarde refere-se de modo quase irónico a essa situação trágica: "Os meus pais davam-se como o fogo e a água. Ele era um teimoso; ela, a própria candura. Sem essa aliança, nem eu, nem a minha Terceira (sinfonia) existiríamos. Quando penso nisso, sinto uma estranha sensação, sempre..."

O casamento com Alma Mahler, filha do pintor Emil Schindler, mais nova do que ele quase vinte anos, não se pode considerar feliz.
Alma era uma mulher que queria tudo: quis ser música e não foi. Mahler era o Director da Orquestra da Ópera de Viena e ela quis casar com ele.

Com muitos amores, ‘femme fatale’ e musa de muitos génios da sua época (Klimt, Kokoschka, Walter Gropius), a sua vida foi agitada.

Mulher ambiciosa, com uma vida independente e livre, que nunca lhe deu, de certeza, o amor e a estabilidade afectiva que ele esperava e precisava.

NOTAS:

O músico Gustava Mahler costuma ser visto como um dos maiores compositores, que faz a ligação entre a música do século XIX com o período moderno.

Conhecido pelas suas grandes sinfonias e os seus lieds, dos quais um dos mais belos talvez seja:
Das Lied von der Erde (A Canção da Terra).

É considerado também um exímio Director de Orquestra, por usar combinações de instrumentos e timbres que pudessem expressar suas intenções de forma extremamente criativa, original e profunda.

As suas obras (principalmente as sinfonias) são geralmente extensas e com orquestração variada e numerosa.
Mahler procura romper os limites da tonalidade, há longos trechos nas suas obras que parecem não estar em tom algum.
Outra característica marcante das obras de Mahler é um certo carácter sombrio, algumas vezes ligado ao funesto.”




(*) A Boémia era uma região da Europa Central, ocupando hoje os terços ocidental e médio da que é hoje a República Checa.

(**) "Das Lied von der Erde" (ou "A Canção da Terra") é uma obra de Gustav Mahler. É considerada, por alguns críticos, como a obra mais importante deste autor. Nesta obra, tornam-se visíveis as qualidades mais singulares do compositor: a angústia existencial e a sublime grandiosidade.

A obra consiste num ciclo de seis canções baseadas em antigos poemas chineses, adaptados para o alemão. Mahler trabalhou nesta sua obra durante os últimos verões da sua vida. Conseguiu concluí-la em 1911, pouco antes de morrer.

Porém, não chegou a ouvir a sua estreia perante o grande público, apesar de a ter interpretado inúmeras vezes ao piano, auxiliado pelo seu amigo e aluno
Bruno Walter - que viria a estreá-la em Munique, em Novembro de 1912, um ano e meio após a morte do compositor."

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustav_Mahler

Vídeos do filme: "Morte em Veneza", de Luchino Visconti (1971)








3 comentários:

  1. MJ Falcão.
    A evocação é lindíssima, para mim, "A Morte em Veneza" é o filme de Visconti mais apaixonante que vi, o livro de Mann, um dos mais belos entre outros belos. A 5ª Sinfonia de Mahler é a beleza maior, tudo uma sintonia perfeita.
    As citações de Mahler são lindas; "Já não há tempo para nada"...
    Vi neste post "a beleza inatingível" do escritor, de Visconti e de Mahler ...
    Beijinhos e bem-haja!:)

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  2. Compraram-me agora este filme, que já há tempos queria ver.Mas ainda não o tenho comigo.
    Fico com muita vontade de o ver.
    A música de Mahler achei muito triste...

    Um beijinho
    Isabel

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  3. Olá Jana, tive uma amiga em casa que me "distraiu felizmente".
    Este filme devia ser referência obrigatória como um dos mais belos.
    Dizem que se Visconti não tivesse sido homosexual, a sua obra não seria o que foi, uma das melhores de todos os tempos.
    A morte de Von Aschenbach,( inspirado vagamente en Mahler, que não era homosexual,e interpretado pelo maravilhoso Dirk Bogart),essa praia, esse fio de tinta preta que lhe cae do cabelo pintado, essa figura decadente e atormentada buscando a luz da beleza pura e inalcançável de um jovem perfeito!
    As tuas propostas são sempre magníficas. Beijinhos

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