domingo, 31 de julho de 2011

São Tomé e os seus artistas: começo com o pintor Pascoal Viegas (Canarim)

Canarim, duas versões de "Danço Congo"


De Pascoal Viegas, o Canarim, pouco se sabe, a não ser que era um grande pintor que nasceu em São Tomé, com um quadro num museu de Nova Iorque, segundo me disseram.
No entanto, nos seus quadros, deixou uma pequena biografia, em caligrafia desenhada, ao lado das legendas em que explicava cuidadosamente o assunto dos quadros e as personagens que dele participavam.
Assim no quadro em que pinta o teatro "Tchiloli" diz:
Tchiloli: a banda do Professor João, encenador dos rapazes da Escola do Riboque


Desenho do curiôso artista (artista Nativo da Província Portuguêsa S. Tomé) Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete; que nasceu em Santana a 3 de Maio de 1894. O infeliz Bisnéto do 1º Barão d’Água-Isé. Foi aluno interno do Colégio Universal Calçada de Santana Nº 180, Lisboa, no ano 1908 pª 1912, do mêz de Fevereiro.”

No quadro "Danço Congo" acrescenta entre parêntesis, a seguir a Pascoal Viegas, o nome de Canarim.

Chamavam-lhe também Sum Canarim, ou Sum Canaril...
Penso que Sum tem o sentido de "Senhor", porque me lembro dos passarinhos de São Tomé os "sum deçu" que eram os pássaros que "iam acordar o senhor nos céus" -segundo me ensinaram lá,,,
Algo mais ficamos a saber também sobre as cenas que pinta, normalmente alusivas à cultura da Ilha: o Danço Congo, a Dança - Baile Ússua”, o teatro Tchiloli,


Sobre o “Danço Congo” escreve na legenda: “quadro da representação de Danço Congo, a móda de S. Tomé. Essa dança não é verdadeira de S. Tomé. Dizem que foi um Nativo desta Ilha que andava no Congo é que veio plantar essa brincadeira em S. Tomé; há muitos anos”.


Existem duas versões (pelo menos) desta pintura, variando inclusivamente o número dos participantes: numa são 17 e na outra 21 (ver no início do post as duas imagens)... duas cenas do espectáculo Tchiloli, no Riboque, em 1995

Falando do Tchiloli refere que é a “representação da tragédia do Marquêz de Mântua (Tchilôli) organisado pelos Nativos desta Ilha”.
Há mais do que uma versão desta pintura (deixo-vos as duas), divergindo o nº de personagens que cuidadosamente assinala e numera: 17 personagens num dos quadros, 21 no outro...

Sobre a Ússua, que ainda vi dançar em São Tomé na inauguração do Mercado do Ponto, explica que é “uma Dansa de Baile denominado ÚSSUA –NOVA; que foi organisado pelo grupo da família Camblé.” Viajando pela net encontrei referência a um trabalho mais aprofundado sobre Canarim e a arte em São Tomé, que aqui vos deixo, em parte.


«O "ingenuista" Canalim


O nome que se tem como referência em São Tomé e Príncipe na época colonial a nível da pintura é o de Pascoal Viana de Sousa Almeida Viegas Lopes Vilhete (nascido no séc. XIX), conhecido com o nome de Canarim ou Sum Canalim.


Ele que é «referido como o maior pintor ingenuista de São Tomé e Príncipe», soube representar de maneira inigualável a sua época. A pintura de Canalim buscou estímulos nos ambientes físico e humano das ilhas.


Entretanto, Sum Canalim não só enveredou pela pintura. Foi também autor de pequenas esculturas,como já acima assinalei, que dada a qualidade do material usado na sua elaboração, não tiveram senão uma duração efémera.


Mas é, sem dúvidas como pintor que ele está mais presente. «As suas melhores produções [versam sobre os temas como] o "Tchiloli", o "Danço Congo", o "Fundão", o "Socopé", a "Santana", o "Cortejo Religioso" e o "Piadô Zaua"*.» E aí me parece que Sum Canalim ganha a dimensão de um pintor etnográfico.
(...)
A mim pessoalmente, baseando na análise que faço, parece-me que Sum Canalim não se mostrava preocupado em retratar com fidelidade o aspecto físico das formas que pintava. Parece-me outrossim que havia mais nele uma preocupação ideográfica que nos revelava, não sei se intencionalmente, algum humor característico de ilustrações caricaturais.


Assim, por detrás da ingenuidade do seu estilo de pintura, parece-me haver um aspecto cómico que até então não me lembro de ter sido referenciado.


Reconheço, contudo, que pode ser discutível essa observação. Discutível também pode ser o facto de eu achar que Sum Canalim encontra-se numa posição oposta a do Protásio Pina de quem farei referência posteriormente.


Isto é, enquanto Sum Canalim pautava por um "estilo" ideográfico, como já referi, caracterizado, na minha opinião, por algum humor intencional ou não, Protásio Pina pautava por um "estilo" fotográfico quase, o que lh e conferia o estatuto de reprodutor fiel das formas.
Existe, entretanto, opinião de que Protásio Pina «foi no plano temático seguidor de Sum Canalim.»

in "A evolução das artes plásticas em S. Tomé e Príncipe", de Lukene Fernandes B. Neto, tal como encontrei referido em:

http://uk.groups.yahoo.com/group/saotome/message/6616


Em São Tomé, conheci ainda o pintor Protásio Pina cujas pinturas eram de uma perfeição incrível! Durante muito tempo foi ele que "desenhou" e pintou os selos de São Tomé, lindos pássaros, flores para nós desconhecidas, coisas maravilhosas de cor e de beleza.


óleo do pintor são-tomense Nezó


Descobri ainda dois blogs com interesse sobre a cultura de São Tomé. Um, genérico, sintético, incompleto, dá uma ideia geral da “cultura” das ilhas, com alguma bibliografia interessante. (Countries and their Cultures) refere três nomes nas artes plásticas:


“(...) there is an emerging art scenario in the nation of São Tomé and Príncipe, with painters like Pascoal Viegas Vilhete, Almada Negreiros, representing rural life and forms in modern expressionistic style.”

http://www.everyculture.com/Sa-Th/S-o-Tom-e-Pr-ncipe.html

O outro (intitulado "olam") revela uma figura que não conhecia: o antropologista Paulo Valverde, de cujo livro ando agora à procura... (Máscara, Mato e Morte. Textos para uma etnografia de São Tomé, Oeiras, Celta, 2000).


Pensei na "pintura etnográfica" do Canarim quando li que, em dado momento do seu trabalho, terá "falado" da obra dele.

http://olamtagv.wordpress.com/2009/05/10/o-visivel-e-o-invisivel-em-paulo-valverde/

Deixo-vos o texto ("o visível e o invisível em Paulo Valverde") que me impressionou:

(...) um dos mais significativos antropólogos portugueses de sempre. Dir-se-á que é fácil atingir essa meta, porque a concorrência sempre foi de pequena monta. Sim, sem dúvida. Mas para quem alguma vez assistiu a uma aula deste homem que morreu com 37 anos, ou para quem teve o prazer de ler as suas páginas hoje tão esquecidas, a sua celebração é incontornável”, escreve o co-autor do blog, Luís Quintais (Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra).


Continua:


Serve também o presente post para chamar a atenção para esse livro que deverá estar, estou certo disso, a apodrecer, exemplares muitos, nalgum canto escuro de um armazém de refugos. Triste sorte para um prosador extraordinário cuja escrita terá pouquíssimos antecedentes entre nós, e que, no seu melhor, ombreia com páginas de Malinowski e de Leiris. Ah, é verdade, aí vai a referência: Paulo Valverde, Máscara, Mato e Morte. Textos para uma etnografia de São Tomé, Oeiras, Celta, 2000.

Entre a pequena comunidade de antropólogos sociais portugueses, é reconhecida a enorme perda intelectual e afectiva (sobretudo para aqueles que com ele privaram de perto) que representou o falecimento prematuro de Paulo Valverde (1961-1999). Vítima de malária contraída em São Tomé, Paulo Valverde afirmar-se-á cada vez mais como uma espécie de personificação trágica e mítica da figura do antropólogo enquanto herói.”

E segue-se a homenagem, a citação do livro e algumas passagens que me despertaram a curiosidade.

Paulo Valverde morreu, já depois de eu sair de Sao Tomé (vivi lá de 1991 a 1996). Era um jovem de 37 anos que estuda a cultura da ilha, os costumes, as crenças, e morre com paludismo. No entanto, deixa um rasto de luz sobre a Ilha.


"Este livro reúne um conjunto de textos escritos pelo antropólogo Paulo Valverde no decurso do trabalho de campo que realizou em São Tomé e Príncipe entre 1995 e 1999. Paul Valverde morreu neste último ano, vítima de malária, deixando por concluir a tese de doutoramento que preparava. João de Pina Cabral, seu orientador, assumiu a tarefa de compilar e organizar para publicação os escritos que ficaram.

(em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223551923K1tKL7sq3Ob98FJ8.pdf)


Mais informações:



Sobre São Tomé:



3 comentários:

  1. Tão bonita esta postagem.
    Aprendi tanta coisa.
    Um dia hei-de ir a S. Tomé ver a Boca do Inferno e Portalegre. :))

    Adorei a pintura com a escultura incorporada.
    Obrigada esta noite acompanhada de Madame Butterfly.

    Beijinhos! :)

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  2. Vai ver essa pintura quando vier a nossa casa. Eu gosto muito também. Ainda vou escrever mais sobre essa pintura de São Tomé. Do que conheço, claro...
    beijinhos

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  3. Falcão - A festa do congo, bela sempre. A de São Tomé não conhecemos mas a daqui sim. Ainda acontece no nordeste do país e em minas. É barbara.

    5 bjs

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