segunda-feira, 25 de junho de 2012

Continuando a ler um livro interessante sobre Portugal e o Japão

Katsushika Hocusai (1760-1849, pintor do "período Edo")

Hokusai, 1834


Falo uma vez mais do livro de Armando Martins Janeira que me tem mantido curiosa e interessada  - tantas são as coisas nele descubro.

A chegada dos Portugueses, o espanto, a sintonia e, depois, a expulsão dos missionários jesuítas. Por "intolerância", segundo alguns historiadores japoneses.

Ando Hiroshige

No capítulo IV, Armando Martins Janeira fala concretamente da influência portuguesa sobre a civilização japonesa e da “mania” da moda namban : "moda à portuguesa" já que o estilo "namban" se referia a tudo o que se relacionava com Portugueses, os "namban-jin".

De facto, entre os anos 1591 e 1614, “a curiosidade pelas coisas de Portugal é enorme. É um momento em que há uma grande aproximação entre o Japão e o que se passava na Europa”, diz o historiador James Murdock, citado por Martins Janeira.
biombo com motivos namban

Acontece na moda, na comida, no vestuário e na língua! É importante notá-lo porque essa presença está  nas coisas do “dia a dia” da vida japonesa.

Isso mostra quanto os Japoneses estão abertos ao que é novo, ao que é “estrangeiro” –diz Martins Janeira.

pormenor de um biombo namban

Escolhem-se os chapéus à portuguesa, com aba larga; vestem-se as roupas que se mandam costurar “à portuguesa”, prova-se a comida desconhecida... 

E o Japão –país dos samurais- admira as maravilhosas espadas  dos fidalgos portugueses, bem temperadas, autênticas obras-primas de ourivesaria.
Imagem do filme de Akira Kurosawa

Mais curiosa, ainda,  é a moda dos Japoneses usarem rosários ao pescoço - e crucifixos pendurados das vestes de seda!

Refere-o João Rodrigues, "intelectual" jesuíta que se debruça, profundamente, sobre esta civilização desconhecida.

Na própria língua japonesa começam a entrar vocábulos portugueses, nessa época.

O problema é que surge também o vício do tabaco!

Foi então que o que, com essa influência, o vício de fumar entrou nos hábitos dos japoneses.” (p.211)

E o autor lembra as caixinhas de tabaco com motivos namban, representando pois figuras dos "bárbaros do Sul", nós, os Portugueses|. 

E fala de um conto, que vai aparecer séculos mais tarde, na chamada “era Tosha” : “O Tabaco e o Demónio”.
capa do livro "Outono", de Akutagawa
Ryonsuke Akutagawa


 Esta “era Tosha” compreende o período do reinado do Imperador Tosha, que parece ter sido um período conturbado, mas de justiça.Veio a seguir à "era Meiji" (que viera depois da "era Edo") caracterizada pelo grande impulso cultural dado pelo Imperador Meiji (de 1862-1912). Neste período florescem as artes no Japão e há uma grande abertura à Europa e a todo o Ocidente. De notar, por exemplo, que um dos grandes pintores desse momento, Kobaiyashi Kiyoshiku (1847-1915) escolhe o tipo de pintura "ocidental".


Lembro que nesse mesmo período, na Europa, chegara o interesse pelas coisas do Japão. E Manet que corria os antiquários de Paris para encontrar peças dessa arte oriental que ele admirava.


duas pinturas de Kobaiyashi



Manet, "auto-retrato" (pormenor)

Momento de grande curiosidade pelo que se passa no Ocidente, pois, no Japão: atitude idêntica à do período de que fala, atrás, Martins Janeira: os finais do século XVI e princípios do século XVII, aquando da chegada dos portugueses:

Alguns historiadores japoneses dizem que o período que vai de 1591 a 1614 na sua mania das coisas ocidentais é semelhante à era Meiji.” (p.211)

Os padres intelectuais que chegam ao Japão vindos de Portugal têm grande influência sobre as élites cultas do Japão. 


Entranham-se nas diversas classes sociais, sobretudo junto dos grandes senhores da terra. Procurando protecção, tentam estrategicamente chegar-se às élites culturais e do poder.
Desde a conversão ao cristianismo do daimió de Kagoshima, Shimazu, por Francisco Xavier, que os jesuítas tentam tirar partido da fraqueza do poder centrar, e das guerras intestinas entre os vários senhores, os shoguns, ou samurais, que, por vezes, estavam com o Imperador e punham os seus homens ao serviço dele, mas na maior parte, das querelas, eram eles o poder.
o "daimió" Shimazu, por Ichiki Shiro 
J. M.W. Silver , "Daimió e família a ver fogo de artifício" 
J.M.W. Silver ('s/d')

Pela sua cultura e trabalho sobre a língua japonesa (“Arte da Língua do Japão”), distingue-se João Rodrigues (1561-1634) que chega ao Japão com 15 anos (1604) e se deixa “impregnar” por essa cultura.

Hokusai

Já falei aqui dele a propósito do que conta sobre a “arte do chá” e dos “mestres do chá”,  mas João Rodrigues refere a realidade que encontrou, em geral. 


E como essa realidade o “atraiu”.

Estuda a língua japonesa e consegue “sistematizá-la”, trabalho que nunca fora feito e que foi muito valorizado pelos japoneses.

o shogun Ieyasu
o shogun Hodeyoshi

A tal ponto que se tornou o intérprete - e agente comercial -  dos shoguns (*)  Hodeyoshi  e Ieyasu.

Quando, anos mais tarde, os padres jesuítas são expulsos, durante muito tempo ainda se vai manter a imagem do português, do "namban" - e a admiração não desaparece...

Cristãos portugueses no Japão 

(*) O Shogun ou "samurai" era um chefe guerreiro, no Japão, uma espécie de ditadura militar, hereditária. 
Pertenciam a “castas” por vezes nobres, ou apenas guerreiras- eram chefes de guerra poderosos, tendo alguns um poder semelhante ao do Imperador. 
(**) Os Dáimios eram poderosos senhores da terra, no Japão pré-moderno, senhores feudais, com terras e poder hereditários. 
(***) Os desenhos de J.M.W.Silver fazem parte de um livro que ele publicou em 1867, em Londres ("Sketches sobre cenas e costumes do Japão": Este pintor foi tenente da Marinha Inglesa e viveu no Japão.
J.M.W. Silver, "execução"




3 comentários:

  1. Fabuloso MJ!
    Adorei revisitar algumas memórias que destaca.
    Beijinhos e parabéns!:)

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  2. Gostei muito de ler.
    Um post fantástico.
    As imagens que escolheu são muito bonitas.
    Um beijinho e boa uma noite.

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