sábado, 13 de outubro de 2012

Falando de multicuralismo e outras coisas, a propósito do Nobel Le Clézio...

“Lúgubre elucubração” é o título de um artigo assinado pelo Prémio Nobel Francês de Literatura de 2008, J-M.G. Le Clézio.


Albuquerque, Novo México onde vive Le Clézio



Gosto de o lembrar quando um novo Prémio Nobel foi escolhido no passado dia 11.

Ilha de Utoya

“Em 22 de Julho de 2011, Anders Breivik, um jovem normal dominado por um ódio  cego contra os seus contemporâneos, decide assassinar friamente 77 pessoas, reunidas numa manifestação anti-racista, na ilha de Utoya.

(Le Nouvel Observateur - semana de 6/12 Setembro 2012).


Queixa-se o escritor da preocupação que têm hoje certos políticos e alguns falsos filósofos com o “multiculturalismo”. Que pode levar à confusão de valores e que, para ele, essa questão é já caduca. 
Edward Hopper


Indonésia

Há, sim, um "interculturalismo" uma vez que não há "culturas" superiores e inferiores: há, apenas, "culturas". Bem gostaria de o ouvir Claude Lévi-Strauss que sempre defendeu essa teoria...
Museu  do "Quai de Branly", alfinete dos indios Bororo (Brasil)-colecção Lévi-Strauss


“Vivemos num mundo de encontros, de misturas, de interrogações. As misturas, o e os fluxos migratórios existiram desde sempre, estão mesmo na origem da raça humana (a única raça). O "multiculturalismo" cultural - tal como hoje se fala- já não é suficiente. 

Fabrica “ghettos”, isola culturas e favoriza os radicalismos. A única esperança que nos resta não é a nostalgia de não se percebe bem que pureza original – completamente ilusória se pensarmos na mestiçagem que criou a França ou a Noruega (acrescento eu: e o resto da Europa...) - mas sim na abertura para o inter-cultural. 
a arte e a cultura africana

A literatura é um dos meios desta troca e é um caldeirão onde se fundem as correntes que vêm dos quatro cantos da história. Sonhar com uma identidade nacional fixa é um engano. No encontro das culturas e das civilizações cada achega tem a sua importância e não podemos pedir a ninguém que renuncie à mais ínfima parte da sua herança."
Tuareg, Argélia

Os que largam a sua terra, seja ela qual for, e partem - venham eles de onde vierem, procuram sempre um mundo onde possam viver melhor. Uma realidade (utópica?) que os defenda da fome, da miséria, da falta de liberdade, das condições de trabalho, da "ausência" de trabalho!
concerto em Paris, dos "Homens azuis"

A raça é a "raça humana", a única raça - dos "nómadas da vida" que somos todos nós, em busca do absoluto seja ele qual for, com os olhos a brilhar...



Como ele escreve, no livro "Deserto" (Dom Quixote, 2010):



 “Levavam com eles a fome, a sede, que faz sangrar os lábios, o silêncio onde luze o sol, as noites frias, o clarão da Via Láctea, a Lua: com eles viajava a sua sombra gigante ao pôr-do-sol, acompanhavam-nos as ondas de areia virgem, tocadas pelos dedos, afastadas dos seus pés. Tinham sobretudo a luz do olhar (...)”
Latcho Drom, filme do cigano Tony Gatliff

brinco dos Índios Tupi, colecção Lévi-Strauss



Roda cigana



Tem toda a razão Le Clézio. E não devemos cansar de o repetir!

sem perdão...

Indignava-se e reagia à publicação do livro de Richard Millet “Elogio literário de Anders Breivik”.

A saber: o assassino "nazi" que, no ano passado em Julho, assassinou 72 pessoas - perseguindo a tiro e matando um grupo de jovens, ligados ao Partido Trabalhista da Noruega - que se tinham reunido em Utoya parta falar de “imigração” e de integração. 
Isto, depois de ter feito explodir um carro, frente ao Gabinete do Primeiro Ministro norueguês, socialista. 

Para Le Clézio, elogiar o "estilo" de um assassino é um exercício mental lúgubre. 

Simberg
Sim, lúgubre e aberrante!

É-o,  é evidente!

http://livres.krinein.com/biographie-j-m-g-clezio-15966.html


1 comentário:

  1. Também tenho vindo a acompanhar o assunto no "Obs.", com particular atenção. E gostei muito do artigo de Le Clézio, um intelectual "à antiga" - interventivo. Coisa que, por cá (Portugal), é uma espécie de lince ibérico...

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