domingo, 14 de julho de 2013

Porto Covo, o Ratinho e o Ouricinho, mais o cãozinho dos ciganos...



Na manhã seguinte da chegada a Porto Covo, ouvi o Ouricinho protestar:

- Quando é que vamos ver o mar?

Ainda estava deitado na caminha, mas todo esperto. Começou a saltitar dum lado para o outro, na sala, espreitando todos os cantos do pequeno apartamento. 



Depois foi ter com o Ratinho que já estava acordado, à janela do quarto.

- Não queres ir?, perguntou ao Poeta.

Respondi-lhes:
- Vamos, mas com calma! Não gosto de pressas...

Estive mesmo para acrescentar: sou alentejana...mas calei-me. Não queria estar a brincar com o meus alentejanos, mesmo ali em pleno Alentejo...

Eles já se tinham entretido do outro lado, na sala.
- Olha a piscina, Dan!

O Ouricinho tinha um sorriso aberto e contemplava, abismado, o azul esverdeado da água.

-Vais tomar aqui banho, na piscina?, perguntou-me o Ouricinho.
- Ainda não sei...


Tinha trazido só o meu velho fato de banho encarnado, desbotado do cloro da piscina, e estava à espera de ir uma manhã, sem ninguém me ver... Ou de noite... que bem mais apetitosa me parecia!





Entretiveram-se a apanhar sol no parapeito da janela. O dia foi correndo e, pela tardinha, chamei-os.



- Bem, vamos então à praia...

Houve grande entusiasmo. Descemos a pé à vila, pelo caminho fabuloso que é a vereda que vai serpenteando desde lá de cima até ao mar. 

A vista vai variando, conforme as curvas, ora as serranias ora o porto, lá ao fundo, cheio de barquinhos. E a espuma das ondas a entrar pela pequena baía.





Atravessámos a vila, mas, antes de ir por ali abaixo pela rua direita até ao mar, parámos na papelaria “O Correio” a ver a montra e a cumprimentar a dona.





Comprei o Monde, como sempre faço, alguns postais e selos.

E, como não podia deixar de ser, comprei um livro policial, da colecção Vampiro. 
As meninas da loja agitavam-se no meio dos livros. 

A papelaria "O Correio" é um lugar onde me sinto sempre bem! Cheira a livros e a cadernos! E tem gente simpática a atender-nos!








Desta vez, foi um da Mary Rinehart “A cicatriz reveladora” que já tinha lido - mas que gostei de reler durante aqueles dias de repouso, porque é bem escrito.

A seguir, fomos sentar-nos no Café do Marquês, mesmo no largo, a tomar café e a comer o "croissant" quentinho, que dividimos pelos três.


o largo do Marquês


Pouco durou o sossego. Ouricinho já tinha saltado para o chão:
- E a praia? Já estou farto de estar aqui sentado!

Não é capaz de estar quieto muito tempo...

E seguimos caminho, eles a espreitar tudo, eu a tirar fotografias.
Vi-os encantados com os três senhores sentados nos degraus da Igreja azul e branca.



- Olha ali os alentejanos à porta da igreja... De boné!
Era o Ouricinho que parara em frente deles, sempre observador.

- Não disseste que eram pescadores?, perguntou o Ratinho. Afinal são como os outros alentejanos que já vimos...

Desiludido? Acho que não.

- Alentejano é alentejano...afirmou o Ouricinho, peremptório. Não é?
- Sim, são pescadores, mas também trabalham no campo.
- De sol a sol, não é? 

Era o Ouricinho que nunca se calava.

- Sim. A vida é difícil sempre. Com o mar ao lado e as colheitas fracas, tantas vezes sem trabalho, viraram-se para o mar.
- Ah!, é verdade o que dizes... Tantas fomes houve no Alentejo!

Não sei como sabia tantas coisas, a verdade é que estava sempre a ouvir atento ao que dizemos lá em casa.

- Como sabes?, perguntei só por perguntar. E a resposta veio rápida.
- Então não nos leste bocadinhos das histórias e dos poemas do Manuel da Fonseca?

Logo o Ouricinho declamou, na sua voz fininha:
- “Eram campos, campos, campos...” A Maria Campaniça, não é?
- Pois, concordei, têm razão os dois. Era assim.

Continuámos a andar até à praia.

Trazia na mão o livro que comprara  e apetecia-me sentar a lê-lo. Havia ali um muro baixinho e sentei-me. 



Avistava-se o mar e a Ilha do Pessegueiro. Tentei ler, mas era demasiado bela a vista que se estendia até ao horizonte.


A luz batia na superfície das águas, as ondas vinham  defazer-se, de mansinho, como pedaços de algodão branco.

 E a verdade é que eles não estavam calados nem quietos um momento!

- Olha!, disse o Ouricinho.

Perto, do lado de terra, vejo duas ou três famílias de ciganos, ou a mesma família quem sabe? Três roulottes estão arrumadas no parking pequeno.



- Olha os ciganos!, repetiu.
- O que tem isso de especial? É gente como nós...
O Ratinho dava uma lição de civismo ao amigo.


Andavam a ceifar a erva alta, para pousar as bancadas. A tela abriu-se de repente sobre eles como um circo. 



Um cão ladrou mesmo ao nosso lado. Olho e vejo que está preso com um cordel, mas tem uma coleira bonita.




O Ratinho espreitou, assustado, por detrás do meu livro.
 - Não morde?, perguntou.
O Ouricinho encostara-se a ele, muito calado.

- Tem dono ou foi abandonado?
- Não. Já o conheço... Vi-o ontem. Querem ouvir uma história?
E contei-lhes o que me tinha acontecido na noite anterior:

- Sabem? O cãozinho branco e preto, que parece um perdigueiro, vi-o logo na primeira noite. Gania, aflitivamente, parecia chorar. Talvez não quisesse estar sozinho ou tivesse medo. Ou tivesse frio, pois a noite estava fria e ventosa.
Ouviam-me, interessadíssimos.

- Fiz-lhe festinhas, dei-lhe um pouco do croissant que não tinha acabado, mas ele escondia-se detrás dos arbustos e não me deixava chegar a ele. Vi que tinha água ao lado, fiquei mais descansada.
Eles olhavam-me espantados.

Confesso que não lhes disse o que tinha pensado: “se não estivesse no hotel, levava-o já para casa!”

E continuei a contar-lhes:

"Hoje de manhã, ainda vocês dormiam, vim até aqui ver se cá estava. Trouxe uns bocadinhos de carne do  jantar."

- Chorava?, perguntou o Ratinho.
- Não. Já não tinha medo, era de dia...não chorava. Falei-lhe e dei-lhe de comer.
-Conta mais coisas! Gosto tanto! 
Era o Ouricinho que se chegara para mim, ternamente.

Continuei:
Ouvi, então, a voz de uma mulher que falava para mim.
- Muito obrigada...
Virei-me, surpreendida, pois não tinha visto ninguém, tão entretida estava com o cão. Lá ao fundo, a aldeia brilhava.

Era uma mulher alta, de longos cabelos compridos atados com uma fita, saias compridas e olhos profundos. 
E disse outra vez:
- Obrigada.
- É seu? O seu cão é lindo!
- Tenho dois cães. O outro está ali.

E lá estava um pequenito, castanho, com ar de perdigueiro também.
Quando voltava para o hotel, depois do almoço, passei por lá e não vi o cão. Falei com o senhor que estava sentado perto das tendas, numa cadeira de praia e que me parecia o chefe, pela idade.
 - Então, o  perdigueirinho branco e preto onde está?
- Está lá dentro...
E apontou para uma das caravanas.
- Se o deixasse solto, ia meter-se debaixo de algum carro...
O senhor tinha  grandes bigodes brancos, cabelo hirsuto e um chapéu no alto da cabeça.
-Tenho que o prender...
Enrugou a face crestada de muitos sóis, enquanto os olhos franzidos me observavam tranquilamente.
- Outras vezes, á noite, levo-o para casa.”

- Gostaram da história? 
Eles estavam pensativos a olhar para o cãozinho.
- Fez bem o dono... Podia-se matar. É pequenino, não sabe o que faz...
Era o Ratinho, no seu ar sério.
- Ainda bem que esta noite o vai pôr na roulotte! Gostas dele?, perguntou o Ouricinho.

Percebi que estava com ciúmes. Talvez com medo que eu pensasse pedi-lo ao cigano. Ou comprá-lo.

- Gosto muito dele, mas tem donos!

Como se me ouvisse, alguém falou:
- É meu...
Uma cigana loira e bonita com uma saia vermelha e brincos compridos aproximara-se  e fixava-nos do lado de lá da estrada. Fez-me lembrar o quadro de Ceija Stokha, a pintora cigana.


 Ceija Stokha, A mãe


- É o meu cão, repetiu.
- Pois é, é dela...

Desta vez tinham falado os dois ao mesmo tempo. Afinal, o Ratinho também devia estar com ciúmes...

Voltámos para o hotel, mas meti-os dentro da minha mala, porque estavam muito cansados.

Adormeceram depressa... O ar do mar, com certeza. Ou a emoção da história do cãozinho que eu julguei abandonado e que eles recearam que quisesse levar para casa...


NOTA:  Mary Rinehart, escritora americana (1876.1958). Começou a escrever  livros policiais 14 anos antes de Agatha Christie. 
"A cicatriz Reveladora" saiu em 1913. É autora de outros bons romances de suspense, com um enredo misterioso, como "O mistério da escada de Caracol" ou "O homem da cama nº 10". 
Procurem na Livraria Lumière: há lá imensos livros desta colecção!

6 comentários:

  1. São os períodos de venda, armam-se as barracas e se tenta o sustento. Lindas diga-se de passagem.
    Mas esses dois estão descobrindo o mundo heim, que delícia vê-los assim, a ganhar vida atravês dos eu coração.

    bjs grandes amiga,
    bom passeio,
    bom verão.

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    1. Têm razão, amigas, e foi lindo vê-los! "Eles" adoraram! beijinhos

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  2. Que maravilha de post!
    Levava o cãozinho para casa? Já a estou a ver a levá-lo e o Manuel primeiro a reclamar mas depois a afeiçoar-se a ele! Era, não era?

    E chegou a tomar banho à noite, na piscina?

    Adorei as fotos, principalmente as do mar e a sexta, com o Ratinho e o Ouricinho a apanharem sol no parapeito da janela! Ainda bem que desta vez os levou! Eles são um pouco traquinas e ciumentos, mas merecem!

    Um beijinho grande e obrigada por mais um magnífico post! :)

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  3. Obrigada, minha fiel leitora! Por uns momentos considerei essa hipótese, mas era troppo complicato! Nos fundo, se ele não tivesse donos, sei lá o que faria? Se ele nos "adoptasse"???
    Eles são uns ciumentos estes dois! à piscina ...não fui à noite (e o Manuel???)mas sim na última manhã: não resisti!
    beijinhos

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    1. Ai que confusão!...
      Eu dizia que o Manuel se afeiçoaria ao cãozinho.

      E depois perguntei se a Maria João tinha tomado banho à noite na piscina...já vi que não, mas não resistiu a um mergulhinho!
      Eu esta semana se calhar já vou até à piscina-praia com a minha sobrinha. Estou só a mentalizar-me para comprar um fato-de-banho novo...para gordinhas! :(

      Beijinhos e boa semana!

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  4. Uma reportagem tecida de afectos e olhar mágico. Senti Porto Covo inteiro!
    Beijinhos
    Luísa

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