segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A estrela amarela de Dora Bruder...

Conta Patrick Modiano, no seu livro ‘Dora Bruder’, a história de uma adolescente judia. História real. Acontecida durante a ocupação nazi de Paris.

Dora Bruder  tem 15 anos e desaparece no dia 14 de Dezembro de 1941. Possivelmente, como diz o autor, não quisera voltar para o internato, onde estava inscrita desde o mês de Maio. Quem sabe se para estar "protegida"? Desde 1940 que os alemães ocupavam Paris.
O pai, judeu austríaco, refugiado em França, vai à polícia participar a 'fuga', apenas no dia 31. 
Pouco tempo depois, o pai, Ernest Bruder, legionário, mutilado de guerra, é preso: porque judeu.

Dora erra por Paris alguns meses. Volta a casa em 17 de Abril de 1942. Volta a fugir. Um dia é presa e enviada para a Caserna de Tournelles para onde eram levados os judeus que 'desobedeciam' às ordens da autoridade: não usar a estrela amarela, passar para a zona livre eram motivos. 
Poucos meses depois, a 13 de Agosto de 1942 é levada para o Campo de Drancy.
Campo de Drancy

em Auschwitz, outras Doras

Daí, é deportada para Auschwitz. De onde não voltou... 
O que resta de Dora? Aqueles dias de "liberdade" em que andou "perdida"? O que não onseguiram tirar-lhe.
Como diz Modiano, nunca ninguém saberá o que ela fez durante o tempo que andou fugida: é o seu segredo que nem os franceses colaboradores nem os alemães conseguiram saber.
Soldados alemães, em Paris (1940)

O escritor vai em busca desse 'tempo perdido' e consegue trazer-nos a figurinha desaparecida e o ambiente em que se movia. E outras figuras igualmente desaparecidas têm o seu momento de brilho, recuperadas pelo poder de recriação do autor. 
Dora Bruder, uma ilustração

Em 1997, sai o livro de Patrick Modiano, "Dora Bruder", um livro corajoso num momento em que "gostar" dos judeus "deixara de estar na moda"... 
E quando o facto de trazer uma kippa na cabeça pode ser "um crime" a "punir" - ou provocar um "assalto". Em tempos idos, esses mesmos judeus eram obrigados a trazer uma estrela amarela, cozida na roupa, para não serem confundidos com os 'arianos.'

Escreve Modiano, a páginas 102 do romance:
No dia 7 de Junho de 1942 os judeus passaram a ter de usar uma estrela amarela.” 

“(...) Impuseram a estrela amarela a todas as crianças com nomes polacos, romenos, russos, e que eram tão parisienses que se confundiam com as fachadas dos prédios e dos passeios e com os infinitos tons do cinzento que só existem em Paris. Como Dora Bruder elas falavam todas o ‘argot’ com o mesmo acento parisiense 'cheio de uma ternura triste' de que falava Jean Genet." (pág.138)
 Entrada das tropas da Whermacht em Paris

Nessa mesma manhã de 7 de Junho de 1942, em que as forças da ocupação alemã decretavam o uso obrigatório da estrela amarela, surge um movimento espontâneo de solidariedade inesperado: um grupo de mulheres decide usar a estrela amarela. Acabam todas na prisão, com os judeus...

Aquelas a quem os alemães chamavam 'amigas dos judeus' eram uma dezena de  Francesas ‘arianas’ que tiveram a coragem de, em Junho, no primeiro dia em que os judeus teriam de usar a estrela amarela, usá-la também. Usaram-na num modo fantasioso e insolente para com a autoridade : uma pendurou-a ao pescoço do cão, outra bordou na estrela a palavra ‘PAPOU’ e outra ‘JENNY’. 

Outra pendurou 8 estrelas no cinto cada uma com uma letra da palavra ‘VICTOIRE’ . Foram todas presas e levadas para o comissariado mais próximo. (…) Depois, para a Caserna de Tourelles com os judeus. Depois, ainda, para o Campo de Drancy." 

judeus deportados, em 1944

"Estas ‘amigas dos judeus’ exerciam estas profissões: dactilógrafas, empregadas de papelarias. Vendedoras de jornais. Mulheres a dias. Empregadas dos CTT. Estudantes.” (pág. 140)
tulipas amarelas...para essas grandes Mulheres!

Não é preciso ser-se ‘intelectual’, ou ‘informado, ou 'culto', ou ‘cientista’ para se saber reagir com o coração - e com a razão- e ser-se solidário com quem sofre de uma injustiça. Estas mulheres provaram-no!

Hoje quero pôr no meu blog uma estrela amarela!



(*) Drancy: o Campo onde estiveram concentrados os judeus de França e de onde foram deportados para outros campos - de exterminação- na Alemanha, entre os quais Auschwitz.

(**)  kippa ou Kipá em hebraico significa 'cobertura'. São os chapéus, calotas, que os judeus religiosos usam como símbolo da sua religião, símbolo de temor a Deus que está por cima...

7 comentários:

  1. Já comprei dois livros do autor , mas este está esgotado. Espero que o reeditem. Fiquei com imensa pena de não haver.

    Um beijinho e continuação de boa semana:)

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  2. Talvez apareçam outras edições...É o Prémio Nobel deste ano...
    Um beijinho e obrigada por vires sempre falar comigo!

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    1. Eu é que lhe agradeço, porque tenho aprendido tanto com a Maria João e o seu blogue:)
      Um beijinho:)

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  3. Ainda não comprei nada deste autor mas tenho curiosidade.
    Uma proposta interessante, a estrela é das coisas mais odiosas que uns poucos seres humanos inventaram.
    Beijinho.

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  4. Vejo que não tens parado de escrever, desde a última vez que vim por aqui. Eu entretanto escrevi 5 linhas, não te roubo muito tempo...
    Estou totalmente de acordo em que não é preciso quase nada para se saber reagir com o coração e com a razão e ser-se solidário com quem sofre uma injustiça. É o que procuro fazer desde a minha imparcialidade, pois não participei nem participo em nenhum bando, felizmente para mim!
    Toda a obra de Modiano, dizem, tem as suas raízes nos próprios conflictos íntimos, que sofreu em primeiríssima pessoa. Depois o tempo passa e a boa literatura sempre fica, mas as circunstâncias históricas também mudam, às vezes.
    Sempre respeitando as tuas opiniões, mando-te um beijo muito amigo

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  5. Um tema sempre muito actual.
    Um livro a ler muito em breve e penso ser o único que tenho do autor.
    Por muito que se leia sobre o holocausto e a perseguição aos judeus, ficamos sempre horrorizados com tanta barbaridade!

    Um beijinho, Maria João.:))

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