quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O TEMPO DOS IGNORANTES E O FUTURO ...



Li uma entrevista interessante que falava do ‘tempo dos ignorantes’. Eu diria dos ‘ignorantes voluntários”.
 Diz Stephane Bern, jornalista e escritor e historiador, na entrevista a que me refiro: “Vivemos uma época de incultura descomplexionada, de intolerância descomplexionada.” 
Ignorância descomplexionada também. Aprender, saber deixou de importar. Pode-se falar de tudo sem saber e sem complexos!
Esperança, de George Frederick Watts

Na editorial do Monde de 3 de Janeiro, leio ainda:
"O saber é relativizado, os meios de informação são demasiados, há muitas ‘informações’ impossíveis de verificar e, assim, criam-se ‘falsas bolhas cognitivas’ onde cada um se fecha nas próprias convicções." 

Cada um quer ter a sua verdade sem se preocupar com factos ou fontes. Fala-se da era da pós-verdade...

"Na base do trabalho dos ‘media’ estão os factos que eles deveriam referir e, em seguida, comentar. Os factos concorrem a estabelecer a verdade. Muitas vezes relatam-se factos errados. Em princípio, são erros involuntários e deveriam ser corrigidos.” 

Na era da pós-verdade ou dos pós-factos acontece que os factos não são fundamentais. Certas personalidades públicas mais ou menos desonestas podem hoje anunciar falsas notícias e tirar benefício disso. 

A mais famosa foi a 'informação' (refere a 'editorial') que há alguns anos Donald Trump 'trouxe': segundo a qual, Obama não era americano, pois teria nascido no Kenya como o seu pai. Que fosse publicado o certificado de nascimento de Barack Obama provando que nascera nos USA, não serviu de nada, pois muita gente acreditou nisso até ao momento em que o Trump, no final da campanha, desmentiu a notícia. Sem se desculpar sequer.

É mais fácil deixarmo-nos levar pela voz que "diz" o que queremos "ouvir" –as tais ‘falsas bolhas cognitivas’ em que nos reconhecemos. No entanto, ser exigente, querer saber as causas, conhecer os factos, procurar escolher – isso faz parte da liberdade do homem, da qualidade de se ser ‘gente’.

Muito do ‘futuro’ que aí vem depende de nós. Sabendo que nunca mais nada vai ser igual. 
"Passaram os 60 anos de "paz" entre social-democracia e liberalismo. Mais igualdade, mais garantias para os trabalhadores. Trabalho assegurado. (...) Hoje não vai ser assim: o trabalho é precário quando há; o futuro é uma ameaça angustiante."

Tudo tem de ser reconstruído, "reconquistado", mas no ponto em que estamos. Sabendo que a resposta está à frente e não no passado. 

Novas lutas. Novos desafios. Do que quisermos e do que fizermos e do que deixarmos que os outros façam. Porque o nosso olhar sobre as coisas tem uma força decisiva. Para nós. Para os que nos quiserem ouvir. Para os que exigem a verdade. E a justiça.
Para mudar alguma coisa -por muito pouco que se mude- é essencial fazer um esforço para isso!
Esperança, barro alentejano

Não digam que não vale a pena esperar nada de bom do novo ano, porque o mundo foi – e será - sempre assim! Indigna-me aceitar esta ideia-feita que implica desistência, logo à partida.
 O nosso pasmo e a indiferença permitem que as coisas que não queremos aconteçam. Falar, gritar, protestar é bom. Mas com o coração perto!
Uma voz que fala hoje, alto e bom som, neste mundo demitido da esperança, e em que todos parecem deixar-se levar para o abismo, é o Papa Francesco.
“Devemos construir pontes que abatam os muros. Os homens devem aproximar-se e não separar-se. Devemos fazer diminuir as desigualdades e que aumentem sim a liberdade e os direitos dos homens”, diz  Papa Francesco numa entrevista de Eugenio Scalfari, no jornal italiano La Reppubblica.
Magritte, Condição Humana

A vida é curta, tão curta! Por que não tentar encontrar a raiz comum em vez de nos agredirmos constantemente? Deixar o espírito solto e a alma aberta ao que vier. Para saber mais. Para aprender mais. Para criar as pontes e não os muros… 
Tentemos acreditar, tentemos a esperança. Deixemos para trás os ódios, os ressentimentos, as desconfianças que destroem apenas quem os tem dentro. 
Escreveu o espanhol Gustavo A. Bécquer:
“Ao brilhar o relâmpago nascemos,
e ainda dura o seu fulgor quando morremos:
Tão curto é o tempo de viver.”
 Durante esse curto tempo tentemos criar laços. Por que não tentar encontrar a raiz comum, a que nos aproxima, em vez de nos agredirmos constantemente? Deixar o espírito solto e a alma aberta ao que vier. 
Exactamente porque é pouco o tempo de viver devemos aceitar o outro. E indignar-nos com o que é injusto para o outro tal como para nós. Sem desespero nem angústias. Fazendo o que estiver ao alcance da nossa mão, com esperança.



Dizia o Rabbi Nahman de Breslau, sempre sábio e tolerante: 
Mais vale crerem que somos loucos porque acreditamos, do que sermos os cépticos que não acreditam em nada, nem na verdade.” 

Quem sabe o que vem depois? O silêncio da eternidade? 

Um BOM ANO 2017!

5 comentários:

  1. Uma bela, necessária e urgente reflexão!
    Vivemos no tempo dos "achistas" e dos "tudólogos" - tempo perigoso, este...E as redes sociais, às vezes, mais parecem as praças onde se realizavam os autos-de-fé...Num instante, se difama e "queima" alguém, em julgamentos sumários e carregados de ódio...
    Bom ano para si e o Manuel, Maria João!
    Beijinho amigo.

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    1. Muito obrigada pelas suas palavras! Agradecemos os votos. Um Bom Ano para si, no seu presépio junto ao canal...!

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  2. Gostei muito, quer do texto, quer das fotografias, quer da apresentação. Os meus parabéns!

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  3. A canalha anda à solta
    " divida soberana " ?
    Prefiro um pão em liberdade.

    Sempre bom viajar pelo seu espaço

    Bj

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